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Este é um livro de ficção baseado em fatos e pessoas reais”, é como Antonio Estorilio define sua maneira de narrar os acontecimentos de sua família e dos pioneiros do norte paranaense. O autor, no entanto, surpreende ao buscar na História da Humanidade e em seus participantes as raízes, tragédias, sucessos e acontecimentos dos personagens, sejam eles reais ou fictícios. Uma leitura fascinante e instrutiva para todas as idades.

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Os retirantesHistória dos Desbravadores do Norte do Paraná

São Paulo 2015

Os retirantesHistória dos Desbravadores do Norte do Paraná

An t o n i o Es t o r i l i o

Re v i s a d o e am p l i a d o

Copyright © 2015 by Editora Baraúna SE Ltda

Diagramação Felippe Scagion

Revisão Patrícia de Almeida Murari / Carla C. A. Estorilio

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

________________________________________________________________

E84r

Estorilio, Antonio Os retirantes : história dos desbravadores do norte do Paraná / Antonio Esto-rilio. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2015.

ISBN 978-85-437-0182-0

1. Literatura brasileira. I. Título.

15-19101 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

________________________________________________________________09/01/2015 09/01/2015

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTAEDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Quitanda, 139 — 3º andarCEP 01012-010 — Centro — São Paulo — SPTel.: 11 3167.4261www.EditoraBarauna.com.br

Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem a expressa autorização da Editora e do autor. Caso deseje utilizar esta obra para outros fins, entre em contato com a Editora.

A P R E S E N T A Ç Ã O

E ste é um livro de ficção baseado em fatos e pes-soas reais, com nomes e locais trocados, como

uma modesta homenagem àqueles que nas décadas de trinta a noventa do século passado, ou seja, em apenas sessenta anos, transformaram a região do Norte do Es-tado do Paraná de uma mata virgem em uma das mais ricas e promissoras regiões de nosso país. É claro que todo progresso tem um preço, por ser uma transforma-ção cujos resultados nem sempre são os esperados, pelo contrário, às vezes são catastróficos. Hoje, graças a uma melhor conscientização das autoridades e das pessoas isso tem mudado para melhor.

Assim foram tanto as regiões do Sul do Estado de São Paulo como as do Norte do Estado do Paraná no início do século passado, ou seja, no início do século XX. Florestas majestosas e rios límpidos e caudalosos foram transforma-dos em imponentes plantações de café e de cereais, gerando riquezas e progresso para seus moradores até então nunca vistos. Em pouco mais de cinco ou seis décadas, entraram em decadência, perdurando até o início de uma nova polí-

tica de conscientização, de diversificação das atividades eco-nômicas, de reciclagem e de preservação, gerando o que pas-sou a ser chamado de progresso sustentável, transformando tanto as regiões do Sul do Estado de São Paulo como as do Norte do Estado do Paraná em polos de progresso perma-nente e de bem-estar para seus moradores.

Infelizmente, quando retornei em 1972 para visi-tar, tanto a cidade em que nasci no Estado de São Paulo, como a que me criei no Estado do Paraná, elas estavam em uma fase de decadência e só algum tempo após, com a aplicação da chamada política de progresso sustentado, é que novamente se transformaram em polos de progres-so e de bem-estar para seus moradores. Creio que foi esse o motivo de provocar a não colaboração silenciosa, e até certo ponto compreensível, das autoridades da cidade que nasci, na confecção deste livro. Embora muitas vezes tenha usado de dramatização na descrição de certos fatos, a verdade é que, ainda hoje, pode ser constatada em al-guns locais a realidade descrita neste livro.

Tive ainda a pretensão de falar um pouco de tudo, assim como é a vida de todos nós, desde os mais humildes até os mais poderosos, cheias de acontecimentos muitas vezes alegres e agradáveis, outros nem tanto e alguns até dramáticos. Tudo leva a crer que não importa muito a frustração daqueles que não conseguiram o fim deseja-do; os vencedores e os vencidos; a quantidade daqueles que tombaram pelo caminho vencidos, muitas vezes pela desigualdade da luta ou pelo avançar da própria idade; o que importa mesmo é o resultado alcançado pelo embate, desde que seja bom... E para os DESBRAVADORES do Norte do Estado do Paraná, foi.

A G R A D E C I M E N T O S

A pós quase duas décadas resolvi finalmente publicar este livro que pretende contar par-

te da história dos primeiros desbravadores do Norte do Estado do Paraná.

Agradeço, primeiramente, a maior incentivadora do resgate dessa história, Naici Vasconcelos de Souza, autora do livro Pioneiros de Arapongas — Semeadores do Pro-gresso e de vários outros livros como Cinzas de Rosa e Co-ração em Pauta (poesia), O mesmo Arco Íris e Mesclado de Sentimento, além de ter realizado vários eventos em home-nagem à cidade de Arapongas, sua cidade natal.

Ao Jornal “Resgate histórico, homenagem ao 60º aniversário de Emancipação Política do Município de Arapongas”, de outubro de 2007, o qual autoriza a re-produção deste jornal, total ou parcial.

Ao Sr. Carlos da Cruz Cambraia, a pessoa mais que-rida e culta que conheci em toda minha vida e a meu tio Joaquim Gonçalves, em homenagem póstuma, pelas histórias e fatos relatados neste livro.

A n t o n i o E s t o r i l i o

Agradeço também a minha adorável esposa Janete, em cujas sugestões sou viciado. Aos meus filhos Jairo, Carla, Eli-sabete e Fábio e aos meus netos Rafael, Isis, Luisa, Silvia, Theo Francisco e Gabriela por seu carinho e respeito.

Por fim, a Maurício Paraguassú, editor da Editora Baraúna, por executar este projeto.

Maio de 2014

Antonio Estorilio

Os retirantes - História dos Desbravadores do Norte do Paraná

S u M á R I O

Capítulo 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11Capítulo 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17Capítulo 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39Capítulo 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47Capítulo 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55Capítulo 6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63Capítulo 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71Capítulo 8 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75Capítulo 9 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81Capítulo 10 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87Capítulo 11 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107Capítulo 12 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115Capítulo 13 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119Capítulo 14 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123Capítulo 15 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131Capítulo 16 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139Capítulo 17 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151Capítulo 18 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159Capítulo 19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165Capítulo 20 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171Epílogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185

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E stava ali sentado à mesa sozinho aguardando a chegada de meus amigos e colegas para mais

um jantar que sempre fazíamos naquele local; alguns le-vavam suas esposas. As mesas eram arrumadas para que pudessem caber umas vinte pessoas e os que chegassem primeiro, aguardavam a chegada dos outros, saboreando um aperitivo com salgadinhos servidos somente em res-taurantes finos.

A mesa ficava à esquerda de quem entrava pela porta principal e bem em frente ao bar; um lugar privilegiado para gente privilegiada: políticos, médicos, engenheiros, advogados, industriais e alguns executivos. Cheguei cedo demais naquela noite e fiquei ali sentado, ouvindo as bem executadas músicas do tocador de órgão eletrônico. De repente, entrou no restaurante, onde muitos já comiam, bebiam, riam e conversavam em voz alta, contando piadas, sentados em outras mesas, um bêbado, mas não muito bê-bado que não pudesse parar em pé, deu um — Alô, pesso-al! — Acenando com a mão esquerda levantada; balançou

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um pouco e foi em direção ao bar que ficava bem na entra-da do lado direito, escorando-se no balcão, onde pediu em voz alta: — Me dá uma pinga aí, das boas!

O porteiro e um dos garçons seguraram-no, cada um por um braço, tentando conduzi-lo para fora. O ho-mem, um senhor já de certa idade, mas ainda forte, esbo-çou um movimento de resistência empurrando o garçom e o porteiro, esbravejando:

— O que há?! Não me conhecem?... Eu sou o Be-lastor, homem respeitado (como ainda acreditava ser), como vocês vão me empurrando assim! Se não tem pinga nessa droga, porque não fecha?

Quando ouvi pronunciar o seu nome, me soou fa-miliar e a sua fisionomia não me era estranha, fui até ele e colocando a mão sobre seu ombro, disse:

— O senhor não está me reconhecendo, Seu Belas-tor?... Olhe bem para mim, eu sou o Antoninho, filho do Seu Cristóvão, seu vizinho quando vocês ainda eram colonos no Norte do Paraná, não se lembra?

— O Antoninho, o doutor? Não acredito! — Disse me abraçando com força. Era um desses abraços apertados, dolorosos, sentido, de quem está morrendo e as lágrimas que lhe escorreram pela face molharam o ombro do meu paletó. Fomos saindo, abraçados, porta afora, caminhando pela calçada, sem rumo e sem destino à procura de sua casa. A noite estava fresca e uma leve cerração envolvia as luzes dos postes enfileirados na calçada ao lado da rua asfal-tada e já quase deserta àquela hora da noite. Ao passar por

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um dos postes, o Seu Belastor agarrou-se a ele tentando manter-se em pé, respirando fundo, depois permaneceu encostado, abraçando o poste com o braço direito, dando meia-volta para frente e para trás, tentando se equilibrar com o braço esquerdo pendurado enquanto continuava respirando com todas as forças que lhe restavam, na tenta-tiva de recuperar o sentido e o equilíbrio.

Conheci o Seu Belastor quando ainda era colono e nosso vizinho no Norte do Paraná. Naquela época era um homem forte, dono de uma bonita plantação de café e eu, juntamente com seus filhos ainda pequenos ficá-vamos observando-o encilhar o seu cavalo; um tordilho fogoso, bonito e bem cuidado, cujas fivelas do arreio brilhavam refletindo a luz do Sol àquela hora da manhã com a grama do terreiro em frente a sua casa ainda orva-lhada. Ele, bem vestido com botas tipo sanfona de cano curto, cinta larga na cintura com fivela amarela, chapéu de feltro na cabeça, passava a mão sobre nossas cabeças despedindo-se antes de montar com elegância no seu ca-valo tordilho segurando com a mão esquerda as rédeas e com a mão direita um rabo-de-tatu usado para bater nas ancas do animal para fazê-lo andar mais depressa; partia galopando rumo à cidade para fazer compras. Para mim, ainda criança, parecia um ser superior, eterno... Agora, era desolador vê-lo bêbado, sem chapéu, apoiando-se naquele poste, não conseguindo nem manter-se em pé... Finalmente, após muito esforço, conseguiu libertar-se do poste, continuando na mesma direção e acenando com a mão num gesto para que eu o seguisse. Segui-o e, após andarmos por algum tempo, acabamo perdidos

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num bairro pobre nas ruas estreitas e tortas de uma fa-vela, onde as casas desalinhadas e fora do prumo, faziam parecer que a ordem e a disciplina lá não eram um hábi-to. Talvez por ser noite e já estar muito escuro, não con-segui saber como vivem seus moradores e se são felizes. Encontramos apenas os catadores de papel empurrando seus carrinhos por aquelas ruas estreitas e tortuosas e que o meu amigo e conterrâneo tinha dificuldade em desviar, não por causa dos carrinhos, mas porque o seu Belastor ainda não se sentia bem firme das pernas. Acabamos não encontrando sua casa, sua família, nem nada que valesse a pena estarmos ali, muito menos o seu Belastor ainda estar vivo neste mundo de Deus e de alguns homens. Por fim, entramos num boteco onde era difícil saber com certeza se os que estavam ali e os que porventura entravam ou saíam, estavam vivos ou mortos, pois pareciam fantas-mas. Foi quando, após sentarmos numa das mesas do bar quase deserto, começou a me contar, com sua maneira simples de caipira e num linguajar difícil de entender a epopeia e a história de mais de cinquenta anos de um povo que eu já conhecia e que vou tentar reproduzir aqui com minhas palavras em um país onde se fala, se nasce, se vive e se morre de várias maneiras.

A história desse povo, todos já conhecem, ela é igual a de quase todos aqueles que aqui chegaram ao final do século XIX e no começo do século XX, desembarcando principalmente nos portos do Rio de Janeiro, Santos, Pa-ranaguá, Itajaí e São Francisco em Santa Catarina; pro-cedentes de vários países da Europa como: Itália, Alema-nha, Polônia, Espanha, Portugal, França e tantos outros

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como: Rússia, Romênia, Inglaterra, Japão. Vinham todos “fazer a América”, ou seja, ficarem ricos, como diziam eles naquela época e retornarem para seus países de origem. Vieram, mas não voltaram e apenas alguns ficaram ricos, porém todos independentes de suas raças, crenças religio-sas e políticas ajudaram a construir um dos maiores países da América do Sul, o Brasil. Na verdade, vieram a con-vite do Governo brasileiro para suprir a falta de mão de obra nas fazendas de café, principalmente nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, após de os escravos negros serem libertos pela Princesa Isabel, através da Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888 e abandonarem as fazendas para migrarem para a periferia das grandes cidades. Os estrangeiros que aqui chegaram ao final do século XIX e no começo do século XX, após serem registrados na Casa do Emigrante em São Paulo e no Rio de Janeiro, eram encaminhados para outras Capitais e interiores dos Estados para trabalharem na lavoura em grandes fazendas de café, cana-de-açúcar, cacau e outras culturas. Eram trabalhadores destemidos, disso ninguém tem dúvida... Mas pelo que eles passaram, principalmente no começo, quando ainda não existiam estradas asfaltadas, veículos motorizados, luz elétrica, água encanada, esgotos, hospitais, moradias decentes, enfim, nada parecido com o que eles tinham deixado em seus países de origem e que ainda passam nos dias de hoje por motivos superiores à razão humana, obscuro, miste-rioso, que só Deus sabe, e o diabo que se recusou a parti-cipar das desventuras dessa gente, talvez por medo de não suportar o sofrimento com tanta paciência e resignação, apenas amassou o pão que eles comeram.