carisma cvx 1a. parte

41
1 O Carisma CVX (1ª parte) Apresentado na XIII Assembleia Geral Mundial – Itaici, Julho 1998 Revisto em Dezembro 2001 (Progressio Suplemento nº 56, Dezembro 2001) O O C C a a r r i i s s m m a a C C V V X X - - I I

Upload: cvx-brasil-oficial

Post on 23-Jul-2016

289 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Carisma CVX 1a. Parte

1

O Carisma CVX (1ª parte)

Apresentado na XIII Assembleia Geral Mundial – Itaici, Julho 1998

Revisto em Dezembro 2001

(Progressio Suplemento nº 56, Dezembro 2001)

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 2: Carisma CVX 1a. Parte

2

Índice

Prólogo ................................................................................................................................................................................. 4

Introdução ...................................................................................................................................................................... 5

Chaves de interpretação .......................................................................................................................... 7

CRITÉRIOS DE FORMAÇÃO CVX

I. A PESSOA CVX A. BUSCAR E ENCONTRAR A VOCAÇÃO NA IGREJA ................................................ 9 1. Vocação pessoal ............................................................................................................................... 9 2. A vocação cristã .............................................................................................................................. 9 3. A vocação específica à CVX........................................................................................... 10 3.1. Uma vocação inaciana...................................................................................................... 11 3.2. Uma vocação comunitária............................................................................................ 12 3.3. Uma vocação laical ............................................................................................................. 12

4. Perfil da pessoa CVX.............................................................................................................. 13 5. Buscar e encontrar a vocação individual na CVX............................... 14 5.1. O papel vital dos Exercícios no discernimento da vocação ............. 14 5.1.1. Níveis do chamamento de Deus............................................................. 16 5.1.2. Etapas no discernimento da vocação.................................................. 17 5.1.3. Preparação e confirmação da eleição feita nos Exercícios 18 5.2. A utilização de experiências ou provações..................................................... 19 5.3. O acompanhamento pessoal ....................................................................................... 19 B. DISPONIBILIDADE PARA A MISSÃO ...................................................................................... 20 1. Sentido da missão.......................................................................................................................... 20 1.1. A missão de Jesus.................................................................................................................. 20 1.2. A missão da Igreja ............................................................................................................... 20 1.3. Dimensão sacramental da missão .......................................................................... 21 1.4. Dimensão profética da missão.................................................................................. 21 1.5. Dimensão vital da missão ............................................................................................. 22 1.6. Maria modelo para a missão....................................................................................... 22

2. O campo da missão CVX .................................................................................................. 22 3. Desenvolvimento da missão na CVX................................................................ 23 3.1. Missão individual................................................................................................................. 23 3.2. Missão de grupo .................................................................................................................... 24 3.3. Missão comum ....................................................................................................................... 24

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 3: Carisma CVX 1a. Parte

3

4. Encontrar a nossa missão em CVX...................................................................... 25 4.1. O discernimento apostólico ........................................................................................ 25 4.1.1. Oração pessoal e comunitária................................................................... 25 4.1.2. Olhar a realidade................................................................................................. 26 4.1.3. O nosso carisma inaciano............................................................................ 26 4.1.4. Moções espirituais............................................................................................. 26 4.1.5. Processo de grupo............................................................................................... 27 4.2. O discernimento apostólico como atitude permanente...................... 27 4.3. Critérios inacianos para o discernimento apostólico............................ 28

II. A COMUNIDADE DE VIDA CRISTÃ (CVX) A. O PROCESSO DA CVX COMO COMUNIDADE......................................................... 29 B. CARACTERÍSTICAS DA CVX ENQUANTO COMUNIDADE....................... 30 1. Uma comunidade de vida.................................................................................................... 30 2. Uma comunidade em missão......................................................................................... 32 2.1. Uma missão sempre comunitária........................................................................... 32 2.2. Discernimento apostólico comunitário ............................................................ 32

3. Uma comunidade mundial................................................................................................ 33 3.1. A universalidade da CVX............................................................................................. 33 3.2. Raízes teológicas da universalidade da CVX .............................................. 33 3.3. Uma comunidade ao serviço de um mundo.................................................. 34

4. Uma comunidade eclesial .................................................................................................. 34 4.1. As bases do carácter eclesial da CVX ................................................................ 34 4.2. Relações da comunidade CVX com a Igreja................................................ 35

III. O COMPROMISSO NA CVX O COMPROMISSO NOS PRINCÍPIOS GERAIS E NORMAS GERAIS ............ 36 A. FUNDAMENTAÇÃO DO COMPROMISSO......................................................................... 36 B. O COMPROMISSO TEMPORÁRIO............................................................................................... 37 1. O processo conducente ao compromisso temporário ....................... 37 2. Objecto e sentido do compromisso temporário ...................................... 38 3. Maneiras de abordar o compromisso temporário ................................. 39 C. O COMPROMISSO PERMANENTE............................................................................................. 40 1. Compromisso permanente................................................................................................. 40 2. Compromisso público ............................................................................................................. 41

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 4: Carisma CVX 1a. Parte

4

Prólogo

O documento que publicamos, “O Carisma CVX”, foi aprovado em 1998 pela Assembleia Geral em Itaici. É a versão corrigida e definitiva do documento publicado na PROGRESSIO em Dezembro de 1996 com o mesmo título, que tinha duas partes: “Critérios de formação CVX” e “Processos de crescimento em CVX”. O documento actual corresponde à primeira parte: “Critérios de formação CVX”. Na sua revisão foram incorporadas as sugestões enviadas pelas comunidades nacionais. A apresentação é mais clara, ordenada e concisa. A revisão da segunda parte está ainda a ser estudada.

A sua história: Na origem do documento está um primeiro esboço de duas páginas prepa-rado em 1994 para facilitar o diálogo entre as comunidades nacionais. Colocavam-se as seguintes perguntas:

Que tipo de pessoa esperamos que seja o membro CVX?

Tomando a experiência de Inácio como ponto de referência, perguntava-se: Até que ponto somos inacianos?

Tomando a pedagogia de Inácio como ponto de referência na formação dum corpo apostólico, perguntava-se: Até que ponto é a nossa CVX inaciana?

Tomando o discernimento vocacional e apostólico como ponto de referência, perguntava-se: Como entendemos e vivemos o compromisso na CVX?

Que tipo de comunidade esperamos que seja a CVX?

Supondo que a CVX é uma “comunidade em missão”, colocava-se o conceito de missão e de missão comum e perguntava-se: Quando me senti enviado pela e na comunidade?

Este breve esboço foi proposto pela primeira vez à reunião da CVX australiana em Janeiro de 1995 e foi muito bem recebido. Foi depois utilizado e desenvolvido pouco a pouco em nume-rosos encontros internacionais organizados durante os anos 1995, 1996 e 1997 em África, na América Latina, Ásia e Europa. Fruto das aportações de tantas comunidades nacionais, o documento foi-se desenvolvendo até atingir a forma presente.

Os Princípios Gerais continuam a ser o documento fundamental da CVX. O Carisma CVX pre-tende ajudar as diversas comunidades na compreensão e na posta em prática dos mesmos.

A quem está destinado? Na edição de 1996, dizia-se: “As orientações para os guias, assis-tentes e responsáveis da CVX”. Mas não era um documento reservado, nem queria excluir ninguém. Prova disso é que se publicava como suplemento da PROGRESSIO e era enviado a todos os subscritores da revista. A razão dessa “restrição” está no facto de o documento não ser de fácil leitura, especialmente para aqueles que desejam conhecer a CVX ou acabam de incorporar-se numa comunidade. Não foi concebido para eles. Os que trabalharam no docu-mento de 1996 (e na sua revisão) são do parecer que o presente documento oferece mate-riais úteis para retiros, reuniões de estudo ou encontros comunitários. Pelo que, como a edi-ção de 1996, será útil para os guias, assistentes e responsáveis da CVX.

Há que reconhecer que o documento é um pouco longo, impressiona mesmo a guias vetera-nos e não poucas vezes foi recebido com receio. Mas, à medida que os participantes num encontro, por exemplo, o vão utilizando em pequenas doses para a reflexão pessoal e a par-tilha, o documento vai-se tornando simples e inspirador. No final do encontro, muitos parti-cipantes reconhecem que o documento descreve a sua experiência pessoal na CVX e olham-no de outra maneira.

Publicamo-lo na PROGRESSIO para fazê-lo mais acessível a todas as comunidades.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 5: Carisma CVX 1a. Parte

5

Introdução A Comunidade de Vida Cristã é uma associação internacional de fiéis: homens e mulheres, adultos e jovens, de todas as condições sociais, que desejam seguir Jesus Cristo mais de perto e trabalhar com Ele na construção do Reino. Os seus membros integram pequenos grupos que fazem parte de comunidades mais amplas a nível regional e nacional constituindo UMA Comunidade Mundial e estão presentes nos 5 continentes e em quase 60 países.

Estamos convencidos que a Comunidade de Vida Cristã tem muito para oferecer à Igreja e à sociedade. O papel desempenhado pelas CONGREGAÇÕES MARIANAS na formação dos leigos, para o serviço do Reino, durante mais de 400 anos de história constitui uma herança precio-sa para a CVX. Mas CVX não é apenas um novo nome dado às Congregações Marianas em 1967. Nas palavras do P. Paulussen, a CVX representa o renascer do movimento, quase um novo começo.

A nova identidade da CVX está expressa nos Princípios Gerais, aprovados em 1971 e revis-tos em 1990. Desde o início, contudo, se sentiu necessidade de completar este texto funda-mental com outros documentos que explicitassem melhor o processo de formação próprio da CVX.

Em 1982, a Comunidade Mundial apresentou o SURVEY como documento-chave para orien-tar a formação CVX. Hoje esse SURVEY devidamente adaptado permanece relevante para qualquer análise e descrição do crescimento de uma CVX, dos meios a utilizar e da contribui-ção dos diferentes papéis em cada estágio deste crescimento.

Todavia, faz-se ainda sentir a necessidade de uma apresentação mais clara da vocação do leigo na CVX, bem como do processo de crescimento dos seus membros, dando orientações susceptíveis de enriquecer os planos de formação das Comunidades Nacionais e de favorecer uma maior unidade na Comunidade Mundial. Foi o que particularmente se constatou na Assembleia Mundial “Hong Kong’94” que recomendou a implementação de planos de forma-ção (inicial e permanente) de acordo com certos critérios preferenciais.

O primeiro passo foi a redacção de um breve documento “Critérios para a formação CVX”, elaborado por uma equipa internacional. Este primeiro esboço foi sendo pouco a pou-co retocado à luz dos Encontros Internacionais para Jesuítas e CVX que decorreram na Euro-pa, África e América Latina entre 1995 e 19961. Em Dezembro de 1996, foi publicado como suplemento na PROGRESSIO (nº 45 e 46) para que as comunidades nacionais o experimen-tassem e o usassem como instrumento de trabalho na sua preparação para a próxima Assembleia Mundial no Brasil.

Durante o ano de 1997, o ExCo2 recebeu comentários e sugestões sobre o documento. Com esses contributos, um pequeno grupo de peritos completou-o e unificou o estilo, dando-lhe a sua forma actual. Assim se oferece novamente à Comunidade Mundial como uma expressão válida do carisma inaciano que nos caracteriza. Tendo em conta as diversidades culturais, pareceu oportuno manter o texto como "documento de trabalho" que poderá enriquecer e ser enriquecido pelos planos de formação e pelas experiências de cada Comunidade Nacio-nal. Na busca de uma maior fidelidade ao nosso carisma, não pareceu conveniente ratificar o texto formalmente pela Assembleia Mundial no Brasil.

1 Em língua inglesa: Roma, Agosto de 1995. Caleruega (Filipinas), Abril 1997; Sydney, Julho 1997. Em língua espanhola: Buenos Aires, Outubro 1996; Lima, Janeiro 1996; Madrid, Abril e Novembro 1996; Puente Grande (México), Outubro 1996; Santo Domingo, Maio 1998. Em língua francesa: Lubumbashi (Zaire), Julho 1995; Cairo, Janeiro 1996; Yaounde (Camarões), Agosto 1996; Bouake (Costa de Marfim), Agosto 1996. Em língua portuguesa: Soutelo, Outubro/Novembro 1997. 2 Conselho Executivo Mundial da CVX, cujo Secretariado Executivo está em Roma.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 6: Carisma CVX 1a. Parte

6

Estas orientações são destinadas aos guias, assistentes e responsáveis pela formação na CVX. A sua maior experiência e conhecimento do estilo de vida da Comunidade possibilitarão que cada Comunidade Nacional adapte o conteúdo deste documento à etapa de crescimento dos seus membros.

O documento está dividido em duas partes, cujos títulos são:

1. Critérios de formação CVX

2. Processos de crescimento na CVX e Material de Apoio.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 7: Carisma CVX 1a. Parte

7

Chaves de interpretação

Para melhor compreender e utilizar estes dois documentos, propomos algumas chaves úteis à sua interpretação:

A dimensão pessoal da pedagogia inaciana (vocação humana)

Santo Inácio acreditava firmemente que cada criatura é uma obra original e única do Cria-dor. Cada pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus, é livre de responder ao Seu amor. Estes Critérios de Formação ajudam-nos a reconhecer aqueles que escolheram a CVX como seu caminho de vida, e como devem ser formados. Até agora, na rica história da CVX, a ênfase tem sido posta sobretudo na comunidade.

Sem nada perder desta riqueza, trata-se agora de olhar para pessoa (subjectum) que tem o potencial para entrar na escola dos Exercícios e viver o estilo de vida CVX. A pedagogia de Santo Inácio é um processo de formação dirigido a todos e ajuda cada um a colocar tudo quanto é e tem ao serviço do Reino de Deus. Para isso, cada pessoa é convidada a viver numa atitude de disponibilidade, sempre pronta a questionar o seu modo de pensar e de agir, exercitando-se em integrar constantemente experiência, reflexão e acção3. A CVX, que-rendo ser fiel a esta pedagogia, deseja formar homens e mulheres que se oferecem livre-mente ao Senhor e à Sua Igreja, prontos para servir em todos os lugares onde possam ser enviados. Estes critérios pretendem ser uma referência para este processo de formação.

O sopro do Espírito através da história da CVX

A trajectória mais recente da formação na CVX, sob o impulso do Senhor e do Seu Espírito, tem-se vindo a plasmar em diferentes documentos: os das Assembleias Mundiais, o SURVEY, os Princípios Gerais revistos e por numerosos programas e instrumentos de formação. Estes critérios são mais uma página desta história cheia da presença e da acção do Senhor4. Eis a razão por que devem ser lidas e experimentadas não como um documento suplementar, mas como uma humilde tentativa de recolher as graças mais recentes que marcaram este cami-nho e dando um passo mais no sentido da vivência plena do nosso carisma CVX.

Partilhar a nossa herança comum

A história da CVX, escrita pelo Espírito, é inseparável da história da sua associação apostólica com a Companhia de Jesus e outras famílias religiosas de inspiração inaciana, para um maior serviço e glória de Deus. Esta colaboração entre a CVX e a Companhia de Jesus tem vindo a crescer com a passagem do tempo.

Actualmente, depois da Congregação Geral 34 da Companhia de Jesus5, esta colaboração pode intensificar-se ainda mais, como consequência da recomendação, feita pela Companhia, de criar uma rede apostólica inaciana para multiplicar os recursos humanos e institucionais ao serviço da missão de Cristo.

À luz desta colaboração convém ler e pôr em prática estes documentos que se destinam aos responsáveis da formação em CVX, muitos dos quais são jesuítas. Partilhamos com eles a comum herança espiritual dos Exercícios Espirituais, a riqueza de uma longa tradição e o desejo de entregar a vida, em missão, ao serviço dos outros.

Estes documentos devem ser lidos e postos em prática à luz desta cooperação. São destina-dos para os que estão envolvidos na formação CVX, muitos deles jesuítas. Partilhamos com eles a herança comum dos Exercícios Espirituais, as riquezas duma longa tradição, e o dese-jo de nos comprometermos, em missão, ao serviço dos outros.

3 A respeito do paradigma inaciano, recomenda-se ver "Pedagogia Inaciana – questionamento prático", documento preparado em 1993 pela Comissão Internacional para o Apostolado Educativo da Companhia de Jesus, ICAEJ. 4 Entre os documentos incluídos no Material de apoio, pode-se consultar os que se referem à história e raízes da CVX. 5 O documento "Colaboração com os leigos na missão", da CG 34, inclui-se no Material de Apoio.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 8: Carisma CVX 1a. Parte

8

CRITÉRIOS DE FORMAÇÃO CVX

1 Neste documento desejamos descrever o carisma específico da CVX. Apresentamo-lo

como uma vocação particular dentro da Igreja, à qual os membros correspondem com um compromisso de vida. Esta perspectiva permite expressar simultaneamente a sim-plicidade e a riqueza, as raízes históricas e os enriquecimentos posteriores deste carisma; mas não pretende expô-lo exaustivamente ou examinar todos os seus aspec-tos.

2 Esta apresentação baseia-se nas experiências das nossas Comunidades Nacionais, mas

vai para além do efectivamente vivido nesta ou naquela Comunidade Nacional. A nossa vocação e carisma são um ideal e um desafio para todos nós. Os contributos dos membros mais experientes da CVX são necessários para a aplicação deste documento em cada Comunidade Nacional. Mas devemos, em conjunto, continuar a procurar a constante renovação da nossa vida pessoal e comunitária de acordo com o nosso carisma.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 9: Carisma CVX 1a. Parte

9

I. A PESSOA CVX

A. BUSCAR E ENCONTRAR A VOCAÇÃO NA IGREJA

1. Vocação pessoal 3 Esperamos que todos membros CVX participem na missão de Cristo de acordo com a

sua própria vocação e estado de vida na Igreja. "A nossa Comunidade é formada por cristãos: homens e mulheres, adultos e jovens, de todas as condições sociais que desejam seguir Jesus Cristo mais de perto e trabalhar com Ele na construção do Reino e reconheceram na Comunidade de Vida Cristã a sua particular vocação na Igreja" (PG 4)6.

4 O fundamento da formação e da renovação da CVX é o valor de cada pessoa e a con-

vicção de que cada pessoa tem uma vocação divina, que abraça todas as dimensões da sua existência. Deus chama cada um. Ele toma a iniciativa, mas respeita a nossa liberdade pessoal. Cada indivíduo descobre este chamamento quando o escuta e aceita os desejos de Deus. Este chamamento de Deus é uma vocação pessoal, que se revela nas nossas inclinações mais profundas e nos nossos desejos mais autênticos. A nossa resposta livre ao chamamento de Deus é o que dá sentido e dignidade à nossa exis-tência.

5 Entender a nossa vida pessoal, a nossa família, o nosso trabalho e a vida cívica como

uma resposta ao chamamento do Senhor liberta-nos de qualquer inclinação para nos resignarmos perante as situações em que nos encontramos. Leva-nos igualmente a reagir contra o conformismo que procura impor-nos um estado e um estilo de vida.

6 Cada pessoa encontra na sua própria vocação pessoal o modo concreto de viver a

vocação universal da família humana, que é um chamamento à comunhão com o Pai por intermédio do Filho no Espírito de amor. Ao realizar a sua missão como resposta de amor ao chamamento do Senhor, o indivíduo realiza progressivamente o seu desti-no de desenvolver uma plena comunhão com Deus e com a família humana.

7 Neste documento a CVX é apresentada como uma vocação particular na Igreja. Mas

esta vocação só pode ser entendida à luz da vocação fundamental de todos os cris-tãos.

2. A vocação cristã 8 A vida cristã é a resposta ao chamamento de Jesus para O seguirmos e sermos trans-

formados pelo Seu Espírito. Este é o projecto do Pai que nos predestinou em Cristo7. Cristo convida-nos a segui-Lo na Sua vida e na Sua morte, adoptando, pela graça do Espírito, aqueles mesmos sentimentos e atitudes que eram Seus estão expressos nas

6 Princípios Gerais da Comunidade de Vida Cristã, aprovados pela Assembleia Mundial da CVX em Guadalajara, em Setembro de 1990 e confirmados pela Santa Sé em Dezembro do mesmo ano. 7 "Em Cristo, Deus nos elegeu antes da criação do mundo, para caminharmos no amor... e sermos Seus filhos adoptivos por meio de Cristo Jesus" (Ef 1, 4-5).

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 10: Carisma CVX 1a. Parte

10

Bem-aventuranças8, para que também nós possamos passar da morte à vida verda-deira9.

9 O Senhor convida-nos à intimidade com Ele10 e a colaborar com Ele na Sua missão de

anunciar a Boa Nova e promover o Reino de Deus11. 10 Respondemos a este chamamento do Senhor na fé, acolhendo a Sua palavra e o dom

do Seu Espírito, pelo qual o Pai nos consagra para a missão de Cristo sacerdote, profe-ta e rei. O baptismo é o sinal sacramental desta incorporação no corpo de Cristo, a Igreja, a comunidade dos Seus discípulos.

11 O chamamento de Deus é inserido no tecido dos nossos dons naturais e nas circuns-

tâncias da nossa história pessoal e social, da qual participamos. 12 A vocação cristã é um convite a reordenar toda a nossa vida colocando Jesus no centro

dela. Na vocação cristã, encontramos a inspiração para escolher um novo estilo de vida, a força para perseverar e a alegria para anunciar a Boa Nova aos pobres12, para amar e para perdoar.

13 Nos adultos, que têm já definida a suas vidas familiares e profissionais, a pergunta

sobre como seguir Jesus afectará, sobretudo, o modo de viver os seus compromissos até chegarem a uma transformação profunda e gradual das suas relações com os outros, com os seus bens materiais e consigo próprios. Na linguagem de Inácio, a res-posta a esta pergunta leva à emenda ou reforma da vida de cada um.

14 Nos jovens, que ainda não definiram claramente o que querem ser ou fazer, a per-gunta sobre como seguir Jesus não só os levará a um novo modo de vida mas ajudá-los-á também a tomarem decisões mais livres sobre as suas opções de vida (constituir família, celibato, sacerdócio ou vida religiosa, profissão).

15 A vocação está intimamente vinculada à missão. Quando um cristão aprofunda os seus

laços de amizade com o Senhor, Ele confia-lhe uma missão. A vocação tem a sua ori-gem na entrada de Deus na sua vida e precisa de tempo para transformar o seu cora-ção, vinculando-o totalmente a Cristo. A missão confiada a ele por Cristo é um desejo profundo, permanente e crescente nascido deste vínculo13.

16 Os membros da CVX reconhecem a sua vocação pessoal na Igreja nesta forma particu-

lar de vida cristã. A vocação particular dos membros da CVX está estreitamente rela-cionada com o discernimento da sua missão apostólica, isto é, do tipo de serviço que cada cristão é chamado a prestar na Igreja para a evangelização do mundo.

3. A vocação específica à CVX 17 A vocação à CVX especifica a vocação universal mediante três características princi-

pais:

8 Mt 5, 3-12. 9 "...poderei conhecê-Lo, a Ele, ao poder da Sua ressurreição e à comunhão nos Seus padecimentos, configurando-me à Sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos" (Fil. 3, 10-11). 10 "... chamei-vos amigos porque tudo o que ouvi de Meu Pai vos deu a conhecer. Não fostes vós que Me escolhestes, mas Eu é que vos escolhi a vós" (Jo. 15, 15-16). 11 "... como o Pai me enviou, também Eu vos envio" (Jo. 20, 21). 12 Lc 4, 14-21 13 "Designou a doze para serem Seus companheiros e para enviá-los a pregar” (Mc 3, 13).

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 11: Carisma CVX 1a. Parte

11

3.1. Uma vocação inaciana 18 O carisma e a espiritualidade da CVX são inacianos. Assim, os Exercícios Espirituais de

S. Inácio são a fonte específica deste carisma e o instrumento característico da espiri-tualidade CVX14.

19 Os Princípios Gerais sublinham o carácter inaciano da CVX usando frases por todo o

texto que remetem para a experiência dos Exercícios ou para o carisma inaciano. Sub-linham o papel central de Jesus Cristo. As suas referências explícitas às origens inacia-nas do modo de proceder CVX, e à importância do discernimento apostólico na abertu-ra pessoal aos apelos mais urgentes e universais do Senhor, deixam claro que o dis-cernimento se deve tornar o meio normal para tomar decisões.

20 O estilo de vida CVX é configurado pelos traços da Cristologia Inaciana: austero e sim-

ples, em solidariedade com os pobres e os marginalizados da sociedade, integrando contemplação e acção, em tudo vivendo vidas de amor e serviço na Igreja, sempre num espírito de discernimento. Esta Cristologia Inaciana brota da contemplação da Encarnação onde a missão de Jesus é revelada. Brota da contemplação d’Ele que é enviado pelo Pai para salvar o mundo; que escolhe e chama pessoalmente os que Ele quer para colaborar com Ele, de entre aqueles que se reconhecem a si próprios como fracos e pecadores. Emerge do seguimento de Jesus, Rei eterno, que se despojou de Si mesmo15 para viver uma vida de pobreza e humilhações, em união com Ele na Sua paixão e ressurreição, onde a força do Espírito forma a Igreja como Corpo de Cristo.

21 A espiritualidade inaciana explica igualmente o carácter mariano do carisma CVX. O

papel de Maria na Comunidade é, com efeito, o mesmo que Ela tem nos Exercícios e na experiência espiritual de Inácio. A mãe de Jesus está constantemente presente ao lado do seu Filho, como mediadora e como inspiração, e um modelo da resposta ao Seu chamamento e do trabalho com Ele na Sua missão.

22 À luz da experiência fundante dos Exercícios, a CVX tem como objectivo a integração

da fé com a vida em todas as suas dimensões: pessoal, familiar, social, profissional, política e eclesial.

23 A espiritualidade dos Exercícios reforça o carácter distintivo desta vocação cristã: 24 O magis inaciano marca o estilo da nossa resposta à vocação universal à santida-

de, pela busca da "maior glória de Deus", seguindo mais de perto a Jesus Cristo16, mediante "oblações de maior estima e momento"17.

25 Cristo, além disso, revela-se na espiritualidade inaciana como "homem-para-os-

outros", e segui-Lo a Ele é pormo-nos nós próprios ao serviço dos nossos irmãos e irmãs: um modo distintamente apostólico de compreender o Reino de Deus. Os membros CVX são cristãos que "desejam seguir Jesus Cristo mais de perto e traba-lhar com Ele na construção do Reino"18.

26 Finalmente, os Exercícios, e portanto a nossa espiritualidade, sublinham o carácter

eclesial do serviço apostólico. Na medida em que é uma missão recebida de Cristo,

14 "A nossa vocação chama-nos a viver esta espiritualidade que nos abre e nos dispõe a todos os desejos de Deus em cada situação da nossa vida diária" (PG. 5). 15 Fil 2,7. 16 PG 4. 17 EE 97, 104, etc. 18 PG 4.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 12: Carisma CVX 1a. Parte

12

é mediada através da Igreja. “A união com Cristo leva à união com a Igreja onde Cristo, aqui e agora, continua a Sua missão de salvação”19.

27 O carácter inaciano da CVX20 e dos seus membros encontra expressão na prática regu-

lar dos modos inacianos de oração, exame, avaliação, discernimento apostólico (pes-soal e comunitário), e pela participação frequente nos sacramentos.

3.2. Uma vocação comunitária 28 Os membros da CVX vivem a espiritualidade inaciana em comunidade21. A ajuda de

irmãos e irmãs que partilham o mesmo chamamento é essencial para o nosso cresci-mento em fidelidade à nossa vocação e missão. Além disso, a comunidade em si mes-ma é um elemento constitutivo do testemunho apostólico da CVX.

29 “A fim de preparar mais eficazmente os nossos membros para o testemunho e o servi-

ço apostólico, especialmente no nosso ambiente diário, reunimos em comunidade pes-soas que sentem uma necessidade mais urgente de unificar a sua vida humana em todas as suas dimensões com a plenitude da sua fé cristã de acordo com o nosso carisma”22.

3.3. Uma vocação laical 30 A CVX é definida nos Princípios Gerais como uma associação, não de leigos, mas de

fiéis: "A nossa comunidade é formada por cristãos: homens e mulheres, adultos e jovens de todas as condições sociais...”23.

31 Mas, na etapa de maturidade, por altura do compromisso permanente, a vocação CVX

torna-se especificamente laical nos seus objectivos e características peculiares. "Procu-ramos atingir esta unidade de vida, em resposta ao chamamento de Cristo, a partir de dentro do mundo em que vivemos"24.

19 PG 6. 20 O exemplo e a vida de Inácio são como uma árvore fecunda no jardim da Igreja. O ramo principal que sai desta árvore é a Companhia de Jesus. Mas inaciano não se identifica com jesuítico. A espiritualidade dos Exercícios alimenta muitas outras famílias religiosas e grupos laicais, expressando, cada um à sua maneira, determinados aspectos do mesmo carisma inaciano. Entre estes grupos ocuparam um lugar muito especial as Congregações Marianas, antecesso-ras da Comunidade de Vida Cristã. 21 A dimensão comunitária da vocação CVX será expressa mais amplamente num capítulo à parte (125-163). 22 PG 4. 23 PG 4 24 PG 4. Pio XII dizia em 1946: “os fiéis, e mais precisamente os leigos, encontram-se na linha mais avançada da vida da Igreja; por eles a Igreja é o princípio vital da sociedade humana. Portando eles, eles especialmente, devem ter consciência, cada vez mais clara, não só de pertencer à Igreja, mas de ser a Igreja” (AAS 38, 1947, p. 149).

“O carácter secular é próprio e peculiar dos leigos... Aos leigos pertence, por vocação própria, buscar o Reino de Deus, tratando e ordenando, segundo Deus, os assuntos temporais. Vivem no século, isto é, em todas e cada uma das activi-dades e profissões, assim como nas condições ordinárias da vida familiar e social com as quais a sua vida é entretecida. Ali são chamados por Deus a cumprir a sua própria função, guiando-se pelo espírito evangélico, de tal modo que, tal como o fermento, contribuem para a santificação, por dentro, do mundo e deste modo revelam Cristo aos outros, brilhando, antes de mais nada, com o testemunho da sua vida, com a sua fé, esperança e caridade, A eles, muito especialmente, corresponde iluminar e organizar todos os assuntos temporais a que estão estreitamente vinculados, de tal maneira que se realizem continuamente segundo o espírito de Jesus Cristo e se desenvolvam e sejam para a glória do Criador e Redentor" (LG 31).

"Deste modo o ‘mundo’ converte-se no lugar e meio da vocação cristã dos leigos, porque ele mesmo está destinado a dar glória a Deus Pai, em Cristo. O Concílio pode, desde então, indicar o sentido próprio e particular do chamamento de Deus que se dirige a todos os leigos. Não são convidados a abandonar a posição que ocupam no mundo..., mas (o baptismo) confere-lhes uma vocação que diz respeito precisamente à sua situação no mundo... Assim, o estar e o agir no mundo são, para os leigos, uma realidade não só antropológica e sociológica, mas especificamente teológica e ecle-sial” (ChL. 15).

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 13: Carisma CVX 1a. Parte

13

4. Perfil da pessoa CVX 32 A vocação CVX pressupõe certas condições, essencialmente as mesmas requeridas

para fazer os Exercícios Espirituais. Esta aptidão é reconhecida naquelas características que permitem ao indivíduo o encontro com Deus. Não é tanto uma questão de algo já adquirido, mas de potencial. Para indicar tal aptidão, Inácio utiliza a expressão "tener sujeto". Tener sujeto tem um sentido dinâmico: um indivíduo torna-se progressiva-mente "sujeto" (disposto) ou, pelo contrário, não disposto; podemos avançar ou recuar, mas nunca estamos estáticos, nunca ficamos no mesmo sítio.

33 As Anotações25 oferecem-nos um retrato do exercitante adulto. Este retrato é, às

vezes, um ponto de partida e, outras vezes, um ponto de chegada. Estas são as condi-ções mínimas postas por Inácio para iniciar a aventura e são também, na sua plenitu-de, o resultado do cometimento. Por outras palavras, os traços característicos que definem um indivíduo idóneo deverão de algum modo estar presentes desde o início. Inácio adaptava os Exercícios à individualidade de cada um, mas, ao mesmo tempo, recomendava que a questão da eleição não devia ser colocada a toda a gente indiscri-minadamente. Mais, ao descrever o exercitante e as condições requeridas para fazer os Exercícios Espirituais, Inácio pressupõe que quem deseja fazer esta experiência quer acima de tudo “amar e servir Sua divina Majestade”26. Estas são igualmente as características distintivas da pessoa mais apta a tornar-se membro CVX.

34 Estas características pessoais que, de algum modo, devem estar já presentes no início

da experiência inaciana, podem agrupar-se em duas categorias: 35 Do ponto de vista humano:

capaz de enfrentar a realidade, sensível ao mundo social e político em que vive, capaz de comunicar e prestar serviço aos outros dum modo significativo.

com grandes desejos de viver uma vida dinâmica e apaixonada, ainda que esses ideais estejam, pelo menos por um curto tempo, misturados com ambição pessoal;

não satisfeito com o seu pequeno mundo, mas pronto para mudar os seus pontos de vista e estilo de vida.

36 No que se refere à sua experiência de Deus:

movido pelo desejo27 de encontrar e seguir Jesus Cristo28;

apaixonado por Jesus e pela Sua missão, ansiando por uma relação pessoal mais profunda com Ele que reorientará e corrigirá, se necessário, as suas necessidades e aspirações, e curará as suas feridas e debilidades;

consciente de ser um pecador, mas amado e escolhido por Cristo;

aberto às necessidades dos outros, pronto a servi-los e a juntar-se a todos os que procuram construir um mundo ao mesmo tempo mais humano e mais divino;

25 EE 1-20. 26 EE 233. 27 O desejo é algo fundamental para S. Inácio. Para ele, o ser humano era fundamentalmente a sua capacidade de desejar e considerava a pessoa como alguém com muita capacidade de crescer em santidade e em frutos apostólicos quanto maior fosse a sua capacidade de desejar. O desejo para S. Inácio é impulso de vida. É essa noção vital, esse movimento vital que nos torna disponíveis para querer, sonhar, agir e amar. O ser humano é esse ser de desejo: dese-jar a justiça, a paz, o amor. Desejar Deus. Quanto mais aumenta essa capacidade interior de desejar, mais preparada está a pessoa para que Deus a cumule e a preencha. Por isso S. Inácio considerava que uma pessoa com grandes desejos, ainda que fosse um grande pecador, estava apta para fazer os Exercícios, porque para ele a vida espiritual não é cumprimento de regras e normas, mas o desejo aberto e exposto, que o Senhor pode mover, atrair, aumentar e preencher. 28 Constituições 102

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 14: Carisma CVX 1a. Parte

14

consciente de ser um membro responsável da Igreja, identificado com a sua men-sagem e comprometido com a sua missão.

5. Buscar e encontrar a vocação individual na CVX 37 A formação dos leigos deve levá-los a uma cada vez mais clara descoberta da sua

vocação e uma sempre maior prontidão para vivê-la de modo a cumprirem a sua mis-são29.

38 No processo de descobrir se um indivíduo tem vocação à CVX, duas coisas devem ser

consideradas. Primeiro, se o indivíduo que aspira viver tal vocação tem uma disposição adequada e, segundo, se a tem, como é que isso pode ser fortalecido e a pessoa aju-dada a reconhecer que Deus a chama a abraçar o estilo de vida CVX. Estes elementos da pedagogia da CVX em relação à vocação baseiam-se principalmente nos Exercícios Espirituais30.

5.1. O papel vital dos Exercícios no discernimento da vocação 39 O discernimento duma vocação particular à CVX realiza-se, sobretudo, durante os

Exercícios Espirituais, onde se encontram, além das perspectivas fundamentais que determinam a escolha de um estilo de vida cristã, as etapas para o discernimento duma vocação.

40 Os Exercícios Espirituais são fundamentais e essenciais para viver a vocação CVX. Eles

são "a fonte e o instrumento característico da nossa espiritualidade"31. Portanto, não podemos compreender e muito menos viver a vocação CVX sem passar pela experiên-cia dos Exercícios.

41 No começo do livro dos Exercícios, S. Inácio define o que ele entende ser o método

que Deus lhe inspirou e graças ao qual pôde ajudar tantas pessoas: "...por este nome, Exercícios Espirituais, entende-se todo o modo de examinar a consciência, de meditar, de contemplar, de orar vocal e mentalmente, e de outras operações espirituais, con-forme adiante se dirá”32.

42 Para Inácio, os Exercícios são os diferentes modos de "exercitar" o espírito. Ele justifi-

ca a sua definição dizendo: "Porque, assim como passear, caminhar e correr são exer-cícios corporais, da mesma maneira, todo o modo de preparar e dispor a alma para tirar de si todas as afeições desordenadas e, depois de tiradas, buscar e achar a von-tade divina na disposição da sua vida para a salvação da alma, se chamam exercícios espirituais".

43 Portanto, para Inácio, é claro que assim como um corpo que não se exercita perde a

sua agilidade e movimento, assim é também com o espírito, que necessita de exercício para dar o seu melhor de si e satisfazer o seu profundo anseio de realização plena.

29 Christifideles Laici, 58. 30 Os Exercícios são "para vencer-se a si mesmo e ordenar a vida..." (EE 21); são para "investigar e... pedir em que vida ou estado de nós se quer servir Sua divina majestade" (EE 135); são escola exímia para sentir e responder ao chamamento de Deus, para viver a vida em escuta e resposta generosa ao Senhor que nos chama e envia. Os Exercí-cios nos preparam para viver a vida como "vocação-resposta". 31 PG 5. 32 EE 1.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 15: Carisma CVX 1a. Parte

15

44 A Comunidade de Vida Cristã, fiel ao espírito inaciano que a inspira, quer que os seus membros sejam ágeis em espírito, exercitando-se constantemente para escutar os chamamentos de Deus e responder-lhes prontamente com todo o seu ser.

45 A experiência original dos Exercícios Espirituais completos, tal como a concebeu S.

Inácio, cobre o período de aproximadamente um mês, passado em silêncio, falando apenas com um guia ou acompanhante espiritual. Nesse contexto, é possível para o exercitante experimentar, como é proposto por Inácio, os diferentes modos de orar, de examinar-se a si mesmo e de contemplar, reflectir e "tirar proveito", ficando assim sensível ao que o Senhor quer em termos de vocação e acção apostólica.

46 Ao longo das quatro semanas dos Exercícios, depois de se ter confrontado consigo

mesmo como pecador amado por Deus, ainda que pecadora, o retirante é colocado perante a pessoa de Jesus Cristo, com quem continuará a crescer em intimidade, dis-posto a ser e a fazer no mundo o que Jesus é e faz, assumindo mesmo as consequên-cias disso.

47 Já no tempo de Inácio, e com muito maior razão nas modernas circunstâncias da vida,

muitas vezes não é possível, sobretudo aos leigos, fazer a experiência dos Exercícios em trinta dias. Por esta razão, os Exercícios podem ser adaptados às diferentes cir-cunstâncias de cada pessoa, fazendo-se em várias etapas mais curtas ou ainda na vida corrente, mas com seriedade, sem descurar nenhum dos passos do itinerário inaciano. Estes Exercícios, adaptados por etapas ou na vida corrente, são verdadeiramente uma experiência inaciana.

48 Uma vez feitos e assimilados, o maior fruto produzido pelos Exercícios é um novo esti-

lo de vida. Tudo o que se viveu ao longo das quatro semanas – em termos de proximi-dade à pessoa de Jesus e ao seu estilo de vida; em termos de aprender a discernir os movimentos do Espírito na vida de cada dia; em termos de se chegar a ser "contem-plativo na acção" –, tudo isto refaz o estilo de vida duma pessoa, levando-a a ser e a agir mais de acordo com os desejos do Senhor para a construção do Seu Reino.

49 A CVX espera que os seus membros sejam pessoas de oração, capazes de escutar os

desejos do Senhor, aptos a discernir entre os muitos apelos da vida o que é mais ade-quado à construção do Reino de Deus. Por esta razão, a CVX põe à sua disposição a escola dos Exercícios que são, segundo uma carta do próprio Inácio a Manuel Miona, "tudo quanto de melhor nesta vida posso pensar, sentir e entender, tanto para o homem poder aproveitar para si mesmo como para poder frutificar, ajudar e fazer aproveitar a muitos outros"33.

50 Para os membros CVX, portanto, os Exercícios Espirituais não são uma experiência

opcional, que se possa ou não fazer, ou que uma vez feita, pertença aos arquivos do passado. São uma experiência básica, vitalizante, constitutiva da sua própria vocação. Uma experiência, por outro lado, a que haverá que voltar sempre, e cujo efeito em cada pessoa precisa de ser alimentado e renovado constantemente.

51 Os EE não são uma experiência com a qual "culmina" a vida apostólica, mas antes

uma experiência inicial decisiva para a opção apostólica pessoal, que será depois vivi-da pelo resto da vida.

33 16 de Novembro de 1536.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 16: Carisma CVX 1a. Parte

16

5.1.1. Níveis do chamamento de Deus

• O PAI chama à vida: A grandeza de ser humano

52 Quando o Pai nos cria, Ele chama-nos, homens e mulheres, a viver plenamente à ima-gem e semelhança de Deus34, a ser fecundos e a multiplicar-nos, a encher a terra e a submetê-la e a reconhecer a bondade fundamental de todas as coisas. Finalmente, o Novo Testamento revela toda a grandeza do ser humano que, criado em Cristo, é chamado à vida divina em comunhão com o Pai, por meio do Filho, no Espírito de amor.

53 O Princípio e Fundamento recorda-nos que somos chamados a ser em diálogo, reco-

nhecendo os dons e a presença de Deus em tudo – na saúde ou na doença, na riqueza ou pobreza, com honras ou sem elas – e a responder, como Jesus, com louvor, reve-rência e serviço35.

54 A Primeira Semana leva-nos a confrontar o plano de Deus para nós e a realidade do

pecado e da morte, as marcas distintivas da nossa existência pessoal e colectiva. No Colóquio da Misericórdia, reconhecemos e humildemente confessamos o nosso pecado e depois, cheios de confiança e de gratidão, recebemos o perdão de Deus, que nos sal-va por meio de Jesus Cristo. A experiência do amor de Cristo, que morreu na cruz para nos dar vida nova no Seu Espírito, convida os exercitantes a perguntarem-se, "Que farei por Cristo?" e a avançar para a Segunda Semana.

55 Cada dia, estendemos este diálogo de vida com o exame de consciência, em que reco-

nhecemos "os benefícios recebidos" das coisas, pessoas e acontecimentos36. Este é um modo de viver dia após dia a Contemplação para Alcançar Amor, que nos urge a "pedir conhecimento interno de tanto bem recebido, para que eu... possa em tudo amar e servir a Sua divina majestade"37.

• JESUS CRISTO chama-nos a estar com Ele e a segui-Lo

56 A experiência fundamental de ser salvo por Cristo e libertado da escravidão do peca-do38, suscita em nós o desejo de nos pormos inteiramente ao Seu serviço e de ouvir o Seu chamamento para trabalharmos com Ele na construção do Seu Reino39. De facto, o Rei eterno chama-nos a estar com Ele e a trabalhar com Ele, a segui-Lo no Seu sofrimento e na Sua glória. Estar com Jesus e segui-Lo no Seu trabalho de implantar o Reino constitui uma opção única e indivisível. Seguir o Senhor significa querer conhe-cê-Lo melhor, amá-Lo mais intensamente e segui-Lo mais de perto na Sua missão40. Este é o objectivo de todas as Contemplações nos Exercícios Espirituais.

57 Esta opção por Cristo e por trabalhar pelo Seu Reino significa, na espiritualidade ina-

ciana optar pelo Cristo total. Conhecer, amar e servir os Seus irmãos e irmãs, isto é amar mais intensamente e seguir mais de perto o Cristo que é a "vida verdadeira"41. É

34 Ver Gen 1, 26-30. 35 Ver EE 23. 36 Ver EE 43. 37 Ver EE 233-234. 38 EE 53. A 1ª Semana de Exercícios costuma chamar-se a "Semana do pecado". Seria mais apropriado chamar-lhe "Semana da misericórdia", "Semana da salvação". Na verdade, o centro desta 1ª Semana é a experiência de Deus como Deus Salvador e Libertador. E a experiência humana como a experiência de ser um pecador salvo e perdoado. Esta revelação dá-se na figura de Cristo crucificado (EE 53). Diante d'Ele, S. Inácio ensina o ser humano a perguntar-se: Que fiz? Que faço? Que farei por Cristo? Àquele, ou àquela, que estava perdido e fechado nos abismos obscuros do seu próprio eu, a salvação apresenta-se como saída de si, viagem para o outro. Ao pecador que se encontrava perdido e sem saída ressoa agora, como oferta de liberdade e salvação, o chamamento do Rei Eterno. Responder-lhe não somente com juízo e razão, mas entregando-se inteiramente é o caminho de libertação para o homem e para a mulher. 39 Ver EE 95. 40 Ver EE 104. 41 Ver EE 139.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 17: Carisma CVX 1a. Parte

17

também exaltá-Lo e contribuir para reconciliar com Ele e n'Ele todas as coisas até que o Pai seja tudo em todos42.

58 A CVX está totalmente imbuída por esta grande opção: desejar seguir mais de perto a

Jesus Cristo e trabalhar com Ele na construção do Reino43.

• O ESPÍRITO SANTO move-nos a maior fidelidade no seguimento de Cristo

59 Inácio era um pedagogo que aprendia da experiência. A sua espiritualidade não é baseada em abstractos princípios de perfeição, mas na ser concreto de Deus, próximo e transcendente, que experimentamos na vida. Os que fazem os Exercícios devem pre-parar-se para tomarem a importantíssima decisão de encontrar "o estado de vida que Deus nosso Senhor nos der para escolher"44, usando uma metodologia bem concreta: contemplando a vida de Cristo e estando, ao mesmo tempo, muito atento aos próprios sentimentos e moções interiores, através dos quais o Espírito Santo lhes fala e os move.

60 A experiência de consolações e desolações e dos vários espíritos45 joga um papel fun-

damental nas eleições inacianas. O grupo de Meditações e Regras para fazer uma elei-ção46 estão orientadas para clarificar estas experiências e assim conduzirem a um dis-cernimento. Mas, estão sempre interessadas com experiências actuais e não com desejos abstractos, porque Inácio só fica satisfeito quando é "o Criador que age ime-diatamente com a criatura e a criatura com o seu Criador e Senhor47.

5.1.2. Etapas no discernimento da vocação 61 Inácio fala de fazer uma sã e boa "eleição da sua própria vida e estado". Esta

“eleição” deve ser uma resposta livre e generosa da nossa parte a um "chamamento vocacional" de Deus. Inácio indica-nos a maneira de nos dispormos interiormente para escutar o chamamento do Senhor e de nos comportarmos dependendo da maneira como Deus se faz ouvir.

62 Podemos distinguir entre dois objectivos:

Discernir um "estado de vida": vida laical (na CVX ou noutro lado qualquer), sacer-dócio ou vida religiosa.

Discernir um "estilo de vida"48. Um elemento chave neste discernimento é a rela-ção entre a pessoa e os seus possíveis contextos de vida: família, amigos, comuni-dade, estudos, trabalho... Nem todos os contextos são favoráveis ao crescimento pessoal, nem para o crescimento em liberdade necessário para discernir um estilo de vida. Precisamos, pois, de facilitar este discernimento entre estilos de vida que favorecem o crescimento. Muitas vezes, o desenvolvimento fica a meio caminho por falta de cuidado nas primeiras etapas.

63 O discernimento da vocação é um processo com etapas que é essencial seguir e

conhecer. Estas etapas não são lineares; mas há entre elas um movimento dinâmico de graça e liberdade.

42 Ver 1Cor 15,28. 43 Ver PG 4. 44 Ver EE 135. 45 Ver EE 176. 46 Ver EE 135-168; 169-189. 47 Ver EE 15. 48 Ver EE 189.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 18: Carisma CVX 1a. Parte

18

64 Primeiro, temos que ter uma disposição apropriada, adoptando atitudes espirituais particulares, que são pré-requisitos para uma boa eleição:

Assimilar os critérios de Cristo49.

Tomar decisões de acordo com a vontade de Deus50.

Ter os nossos afectos centrados em Deus, amando a Jesus com um coração livre e apaixonado51:

65 • no "primeiro grau de humildade", fazendo uma opção fundamental: "que em

tudo obedeça à lei de Deus, nosso Senhor, de tal sorte que... nem pela própria vida temporal, eu nem esteja a deliberar se hei-de infringir um mandamento... que me obrigue sob pena de pecado mortal"51.

66 • no "segundo grau de humildade", sentir-se indiferente e livre em relação a

todos as coisas criadas, a ponto de não ser capaz de considerar em qualquer circunstância um pecado venial, quer dizer, assim como não resistir volunta-riamente ao chamamento de Deus, ainda que em coisas menores52.

67 • no "terceiro grau de humildade"53, buscar o magis com uma crescente identifi-

cação com o Espírito de Cristo pobre e humilde. 68 Por outro lado, temos que procurar cuidadosamente as manifestações da vontade do

Senhor:

reflectindo, na Sua presença, sobre a finalidade da eleição e sobre as vantagens e inconvenientes de cada alternativa, à luz da fé;

permanecendo atento às moções dos espíritos e seus efeitos (consolação ou deso-lação) para discernir em que sentido o Senhor nos está a mover;

rezando fervorosamente ao Senhor para que dê a conhecer a Sua vontade.

5.1.3. Preparação e confirmação da eleição feita nos Exercícios

69 Segundo a tradição inaciana, os Exercícios Espirituais constituem o melhor tempo para

discernir a nossa vocação. Contudo, como Inácio bem sabia, não podemos fazer os Exercícios com vista a escolher o nosso estado de vida sem nos prepararmos bem. Esta preparação pode durar um razoável período de tempo, mas não deve continuar indefinidamente, para evitar que a eleição se torne impossível. Embora as Terceira e a Quarta Semanas dos Exercícios sejam já um tempo de confirmação da eleição da Segunda Semana, convém dispor do tempo necessário para confirmar e explicitar melhor o chamamento do Senhor, através do que nos acontece internamente e exter-namente no nosso contacto com o mundo.

70 Tanto durante o tempo de preparação como no de confirmação, Inácio convida-nos a

colocarmo-nos em diversas situações, a que ele chama experiências ou provações, e a sermos acompanhados espiritualmente por alguém que nos possa ajudar a discernir o chamamento do Senhor.

49 Ver Bandeiras, EE 136-148. 50 Ver Binários, EE 149-157. 51 Ver EE 165. 51 Ver EE 165. 52 Ver EE 166. 53 Ver EE 167.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 19: Carisma CVX 1a. Parte

19

5.2. A utilização de experiências ou provações 71 Como preparação para os Exercícios que envolvam uma eleição, estas experiências

não são somente de serviço real, mas podem acima de tudo pôr a pessoa num contex-to favorável para se cair na conta de novos chamamentos do Senhor. Como prepara-ção e confirmação de uma eleição, é também importante notar quaisquer moções espi-rituais e seus efeitos, como sugere S. Inácio no segundo tempo para se fazer uma boa eleição54.

72 Nestas experiências, que podem ser capazes de nos comover55, procuramos tornar-nos

vulneráveis à vontade do Senhor na comunidade e por meio da comunidade. Esta vul-nerabilidade prepara-nos para a, e as consequências dela confirmam-nos na, eleição que fizemos.

73 Alguns possíveis campos de experiências:

Experiências de exposição ao mundo do sofrimento e da pobreza.

Participar em actividades apostólicas e de serviço em situações diferentes das habituais mais protegidas, para experimentar as próprias qualidades e pobrezas e, sobretudo, para poder viver a fundo o dom gratuito de si mesmo.

Empreender estudos e programas de formação com uma clara intenção apostólica: só para "ajudar as almas..."

Uma Escola de oração como preparação para a experiência dos Exercícios, começar acompanhamento pessoal, participação em retiros e Exercícios ligeiros, etc.

74 A escolha das experiências ou provações e a maneira de as apresentar dependerá da

etapa do discernimento vocacional em que cada pessoa se encontrar. É importante, além disso, ter em consideração a idade de quem se encontra a discernir a sua voca-ção à CVX. Para leigos adultos, com um estado de vida já definido, as experiências aconselháveis serão diferentes das que se propõem a jovens, cujo discernimento voca-cional será sobre o seu estado de vida.

5.3. O acompanhamento pessoal 75 O acompanhante espiritual não é para pedir conselho, muito menos para perguntar o

que devemos fazer. Trata-se de partilhar as nossas experiências com alguém para escutar melhor o que Deus está a dizer e o que Ele pede. Ocasionalmente, o acompa-nhante pode aportar clarificação ou oferecer conselho, mas essas ocasiões devem ser mais a excepção do que a regra. O acompanhamento espiritual é um instrumento indispensável para buscar e encontrar a própria vocação56. É particularmente útil antes e depois dos Exercícios anuais.

54 Ver EE 176. 55 "sentir e gostar" (EE 2). 56 O acompanhamento pressupõe uma confiança mútua que se traduz em abrir-se com sinceridade ao acompanhante. Daí a necessidade de uma grande discrição e confidencialidade por ambas as partes. Também é importante que o acompanhante tenha assimilado as Anotações (EE 1-20) e conheça os processos do crescimento espiritual assim como as exigências de uma vocação apostólica. Também é importante que tenha integrado na sua própria vida as implicações apostólicas da promoção da justiça, do diálogo intercultural e inter-religioso como dimensões da evangelização.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 20: Carisma CVX 1a. Parte

20

B. DISPONIBILIDADE PARA A MISSÃO

1. Sentido da missão

1.1. A missão de Jesus57 76 Nos evangelhos e de um modo especial no evangelho de João, Jesus é-nos apresenta-

do como O enviado do Pai. O ser enviado é precisamente o que dá sentido à Sua vida e à Sua presença entre nós, de tal maneira que não podemos entender a figura de Jesus senão a partir desta missão que o Pai Lhe confiou. Por outro lado, a missão não é algo que pertença a Jesus; é dom que Ele recebeu do Pai58.

77 Jesus vive esta missão em total comunhão com o Pai59. Por isso a realidade mais ínti-

ma de Jesus é ser Filho. A Sua vida é a do Pai, a que Lhe dada pelo Pai. Uma vida que Ele entregará à humanidade e por isso os crentes serão aqueles que vivem com a vida do Filho61.

78 A missão de Jesus, o Filho, é a que o Pai Lhe confiou. Jesus sabe que Ele não é pro-

prietário desta missão: Ele que não veio a este mundo "por si mesmo", mas para e levar a cabo a Sua missão, porque o Pai e Ele são um, e vivem em comunhão plena com o Espírito (Deus é Trindade e é Comunhão)62.

79 O objectivo desta missão será precisamente que todos os homens e mulheres, os

amados do Pai, cheguem à comunhão com o Deus Trino: mesmo agora, somos cha-mados a viver na plenitude de Deus63. Jesus é o mensageiro e, ao mesmo tempo, a mensagem64.

1.2. A missão da Igreja 80 A Igreja é "a congregação de todos os crentes que olham Jesus como autor da salva-

ção e princípio de unidade e de paz"; “é convocada e constituída por Deus para ser sacramento visível desta unidade salvífica"65. A Igreja é o sacramento de salvação na história concreta do nosso mundo66.

81 Pela acção do Espírito Santo, a Igreja representa as mãos e os pés de Jesus, Ressusci-

tado e Vivo. A Igreja continua a mesma missão do Filho, de tal maneira que é essa missão que lhe dá razão de ser. A Igreja é o sacramento da missão do Filho que, movida pelo Espírito, caminha pela história para a plenitude da comunhão de todos

57 O ponto de partida da missão é a relação com Jesus. Jesus está presente não só no coração de cada um dos mem-bros da CVX, mas também no seu Corpo, do qual o grupo CVX é uma das suas células; além disso, está presente naqueles a quem são enviados – família, amigos, local de trabalho, a comunidade mais ampla, especialmente os mais necessitados. Portanto, a missão adquire vida e dá força ao grupo quando esta tríplice presença – Jesus presente no coração de cada membro do grupo, Jesus presente na CVX e Jesus presente naqueles a quem o grupo é enviado – adquire vida e actua neles. 58 "Desci do céu não para fazer a Minha vontade, mas a vontade d'Aquele que Me enviou" (Jo 6, 38). Ver Jo 4, 34; 5,30; 9,4-5; 14,24). 59 "O que Me enviou está em Mim" (Jo 8, 29). Ver Jo 3, 35; 17, 7-8; 5, 19. 61 "Assim como o Pai, que vive, Me enviou, e Eu vivo pelo Pai, assim também o que Me come viverá por Mim" (Jo 6,57). 62 Ver Jo 10,30 e 38; 11, 41-42; 13, 9; 14, 20; 16, 28. 63 "como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós" (Jo 17, 21). Ver Jo 17, 24 e 26. 64 "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vai ao Pai senão por Mim" (Jo 14, 6). 65 Ver Lumen Gentium 9. 66 Ver LG 1.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 21: Carisma CVX 1a. Parte

21

com Cristo e, no mesmo Espírito, para a vida plena com o Pai. Se não fosse pela mis-são do Filho, a Igreja não seria nada, perderia o seu sentido67.

1.3. Dimensão sacramental da missão 82 Jesus é o sacramento do amor do Pai; a Igreja, o sacramento de Jesus, é vida e salva-

ção para toda a humanidade. O chamamento do Pai, brotando do amor, realiza-se e é eficaz em Jesus e na Sua missão; o chamamento de Jesus, por amor, realiza-se e é eficaz na Igreja e na sua missão. E esta missão da Igreja desenvolve-se na missão dos chamados e convocados pelo amor do Pai pela Igreja.

83 Cada cristão é, antes de mais, alguém arrebatado pelo amor de Deus. Esta vínculo

com o Senhor (vocação) tomará forma concreta, desenvolver-se-á e será eficaz preci-samente no momento em que os cristãos recebem o Espírito e são enviados ao mun-do, em missão, na e pela Igreja.

84 De acordo com a especificidade de cada um dos carismas que surgem na comunidade

cristã, a Igreja confia a missão de Jesus a todos os cristãos. Para ser realmente mis-são, tem de ser expressada por meio de sinais específicos. A missão confiada pelo Pai realiza-se através de nós, o corpo de Cristo. A missão confiada por Jesus realiza-se através dos membros da Igreja. A missão de cada fiel e de cada grupo de fiéis, comu-nidade, igreja local, realiza-se através de sinais visíveis proporcionais a cada situação. Cada carisma eclesial expressará o "missionar" no seu modo específico68.

85 Missão implica que alguém envia e que alguém é enviado a implementar a mesma

missão de Jesus na e através da Igreja.

1.4. Dimensão profética da missão 86 A missão de Jesus explica-se e entende-se nos escritos do Novo Testamento como

uma missão profética. Jesus é "o profeta" par excellence69 que, através das Suas pala-vras e do Seu comportamento (palavra+acção), realiza a missão que o Pai Lhe con-fiou. A missão não é simplesmente um modo de pensar ou uma maneira estar no mundo, mas antes acções específicas70 e palavras71. Os discípulos de Jesus são cha-mados a comportar-se como profetas, como Jesus os ensina72.

87 Cada cristão é consagrado73 para esta missão profética. É este o sentido da unção do

rito baptismal74 "O Espírito Santo unge o baptizado, imprime-lhe o Seu selo inde-lével75 Com esta unção, o cristão pode repetir as palavras de Jesus: "O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recobrar a vista; a

67 Ver Jo 17, 17. 68 O carisma próprio das associações de leigos, expressa o envio em missão através de processos de discernimento comunitário e formas concretas segundo as suas próprias características. O carisma próprio da vida religiosa expressa a missão através do processo de discernimento que tem por referente e expressão o voto de obediência. Em qualquer caso, trata-se de buscar a vontade de Deus e levá-la a cabo como missão de Igreja. 69 "poderoso em palavras e obras para a salvação de Israel" (Lc 24, 19, 21). Ver Lc 4, 24; 13, 33; 7, 16; 24, 19; Mc 1, 22; 6, 2; Mt 21, 11-14; 16, 14. 70 "Jesus chamou os discípulos e deu-lhes poder para expulsar os espíritos impuros e de curar toda a enfermidade e toda a doença" (Mt 10, 1). 71 "Pai, consagra-os na verdade... rogo por aqueles que, pela sua palavra, hão de crer em Mim" (Jo 17, 17 e 20). Ver Mc 6, 30). 72 Ver Mt 10, 40-42. 73 Consagração significa que Deus se apropria daquele a quem quer destinar para uma determinada missão. No Antigo Testamento os reis eram consagrados ungindo-se-lhes com óleo a cabeça. 74 "Deus todo poderoso... te consagra com o crisma da salvação para que, incorporado no seu povo, sejas sempre membro de Cristo, sacerdote, profeta e rei, para a vida eterna" (Unção com o crisma no Ritual do baptismo). 75 Ver 2Cor 1, 21-22.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 22: Carisma CVX 1a. Parte

22

mandar em liberdade os oprimidos e a proclamar o ano de graça do Senhor"76. Assim, mediante o lavamento baptismal e a unção com o crisma, o baptizado participa na missão de Jesus Cristo, nosso Messias Salvador"77.

1.5. Dimensão vital da missão 88 Ser cristão implica ser discípulo e, portanto, ter recebido a missão profética, uma mis-

são que tem muitas facetas. Algumas vezes, a mais importante é comunicar esperança e sentido de viver aos homens e mulheres deste nosso mundo, mas sem dúvida, em muitos casos, significará também denunciar e falar sem medo. Isto pressupõe uma maneira de viver e de pensar, um modo de enfrentar os desafios da vida nos nossos âmbitos familiar, social, político, profissional. Por isso, não basta estar simplesmente lá; os cristãos estão lá como profetas, para anunciar com acções e com palavras a presença do Reinado de Deus.

1.6. Maria modelo para a missão 89 O desígnio de Deus fez de Maria uma peça-chave na possibilidade da própria missão

do Filho78. Maria foi escolhida pelo amor imensurável de Deus. Ela foi chamada – voca-ção – e enviada a realizar a missão de dar à luz o Filho para o nosso mundo.

90 Maria acolheu o chamamento e imediatamente partiu (acção) para levar a boa notícia

(palavra) a Isabel. O acolhimento do mistério marcou a sua vida79. Ela foi, antes de mais, a primeira crente, a primeira cristã80. Em Maria, as esperanças e os desejos de salvação que os pobres tinham depositado no amor de Deus realizaram-se. Maria foi a pobre de Yahvé81, que, no meio da sua pobreza real, pôs a sua esperança em Deus somente. O seu estilo de vida, pobre e simples, foi um gesto profético82.

2. O campo da missão CVX 91 De acordo com as orientações dadas pelo Vaticano II, a missão dos leigos em CVX não

é para ser entendida num sentido restritivo nem estabelecendo dicotomias. O campo da missão na CVX não conhece limites. Estende-se à Igreja e ao mundo, ao serviço das pessoas e da sociedade, num esforço por chegar ao coração de cada pessoa e por transformar estruturas injustas, trazendo o Evangelho a todos e em todas e a todas as situações e circunstâncias83.

92 Considerando o carácter laical da vocação CVX e dada a situação do mundo de hoje,

marcado por graves injustiças estruturais e pela marginalização duma larga parte da família humana que vive em pobreza e miséria, o serviço a que a CVX é chamada a dar prioridade, à luz da sua opção preferencial pelos pobres, é a promoção da justiça.

93 É o amor de Deus que nos impele, como membros da CVX, a transformar o mundo,

para que todos os filhos e filhas de Deus possam viver com dignidade. Devemos tentar ver Jesus em cada homem e mulher, porque Jesus se identificou com cada um, em

76 Lc 4, 18-19. Ver Is 61, 1-2. 77 Ver ChL 13. 78 Ver PG 9. 79 Ver Lc 2, 19 e 51. 80 Ver Lc 1, 45. 81 Esse é o sentido do Magnificat que recolhe e resume as expectativas de todos os pobres (ver Lc 1, 46-56). Está inspirado no canto de Ana, mulher que só esperava na acção de Deus (ver 1Sam 2, 1-10). 82 Ver Lc 10, 21; Mt 11, 25-27; Mt 10, 4. 83 Ver PG 8.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 23: Carisma CVX 1a. Parte

23

especial com os mais necessitados84. Compromisso com a causa da liberdade e da jus-tiça só faz sentido para nós na medida em que está motivado pelo Espírito de Cristo, como uma expressão de fé e de amor.

94 O trabalho pela justiça assume formas diversas segundo as circunstâncias regionais,

culturais e as diferentes situações sociopolíticas. No entanto, esta prioridade deve mostrar-se no nosso estilo e nível de vida. Nos Exercícios Espirituais, pedimos a graça de seguir Jesus, pobre e humilde, e esperamos obter esta graça do Senhor. Crer em Jesus, portanto, significa segui-Lo mais de perto; partilhar a Sua pobreza significa viver uma vida de fé que promove a justiça e toma o partido dos pobres. Um estilo de vida simples salvaguarda a nossa liberdade apostólica, expressa a nossa solidariedade com os pobres e torna credível a nossa fé. Esta opção não pode permanecer teórica. Inácio, falando da pobreza, pede aos jesuítas que "...todos a seus tempos sintam alguns efeitos dela"85.

95 A promoção da justiça é, portanto, integral ao contexto mais amplo da evangelização,

do anúncio de Jesus Cristo e do Seu Reino.

3. Desenvolvimento da missão na CVX 96 Como comunidade, a CVX recebe um carisma específico (inaciano) ao serviço da mis-

são da Igreja. Expressa-se pelo envio dos seus membros em missão, fruto do discer-nimento apostólico comunitário, para formas específicas de apostolado. Nem sempre será fácil fazer isso, mas uma coisa é certa: os que optaram pelo carisma inaciano são, antes de mais, apóstolos na missão da Igreja e portanto são enviados pela comu-nidade que partilha a sua vocação específica. É seu direito saberem que a comunidade os envia explicitamente e, ao mesmo tempo, acompanha o discernimento apostólico e a missão à medida que ela se desdobra.

3.1. Missão individual 97 Em relação com os outros e atentos aos sinais dos tempos, os que a isso estão dispos-

tos são movidos a abrir os seus corações às necessidades dos homens e mulheres do seu mundo. Desse contacto com a realidade surgem chamamentos pessoais que con-duzirão a formas específicas de seguir o Senhor.

98 O convite para O seguir (vocação) tornar-se-á concreto na forma como pessoalmente

respondemos a estes chamamentos. A vocação inicial de seguir Jesus desembocará em actividades específicas. Mas, para que estas actividades se tornem missão, é necessá-rio que a comunidade assuma o chamamento, ajude a discernir e, finalmente, envie cada um em missão86. Neste sentido talvez seja mais correcto falar de envolvimento pessoal na missão da Igreja.

99 Para cada membro CVX, os diferentes contextos da sua vida laical, família, política,

trabalho, comunidade, Igreja local, são os principais campos de acção.87

84 Ver Mt 25, 31-46. 85 Const. 287 (Ver PG 4 e 8). 86 Esse é o processo que se dá em toda a missão profética. Deus irrompe imprevisivelmente na vida e no coração daqueles a quem quer enviar ao serviço do Seu povo (vocação) e logo, desde a adesão do coração e a partir das neces-sidades do povo, vai aclarando a missão e precisando os gestos e palavras do profeta que expressam a sua missão. 87 Assinalamos alguns desses campos de actuação com as palavras de João Paulo II, na Exortação Apostólica Christifi-deles Laici (30 de Dezembro de 1988). "Redescobrir e fazer redescobrir a dignidade inviolável de cada pessoa humana constitui uma tarefa essencial; é mais, em certo sentido, a tarefa central e unificante do serviço que a Igreja e, nela, os leigos, estão chamados a prestar à família humana... Se bem que a missão e a responsabilidade de reconhecer a dignidade pessoal de todo o ser humano e de defender o direito à vida é tarefa de todos, alguns leigos são chamados a isso de modo particular. Trata-se dos

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 24: Carisma CVX 1a. Parte

24

3.2. Missão de grupo 100 A acção pode ser não só a nível pessoal, mas também ao nível do grupo, segundo as

circunstâncias, e em resposta às necessidades percebidas pelos membros da comuni-dade. Estas actuações apostólicas são também expressão da vocação pessoal que cada um recebeu do Senhor. Nestes casos, a comunidade, de uma maneira ou de outra, tenderá a dar à acção, que assume e discerne, sentido de missão. Podemos falar, por-tanto, de envolvimento de grupo na missão da Igreja. Trabalhar em equipa, com a graça de Deus, terá maior eficácia apostólica.

101 À medida que as instituições da Igreja tomam consciência da sua incapacidade, senti-

rão a necessidade de colaborar entre elas ao serviço da missão de Jesus, e a colaborar com outras associações de crentes ou não-crentes que escolheram servir os que mais necessitam. Para os cristãos, missão na Igreja pode frequentemente significar partilhar com crentes e não-crentes, a nível pessoal ou de grupo.

3.3. Missão comum 102 A missão comum da CVX é a missão que Cristo lhe confiou como associação de Igreja.

Esta missão é a resposta que a CVX se sente chamada a dar às grandes necessidades e aspirações do mundo de hoje. É a sua forma de anunciar a Boa Nova do amor de Deus no momento histórico actual. A missão comum é tornada concreta pela identifi-cação de prioridades apostólicas e de linhas de acção.

103 Isto não significa que todos os membros CVX tenham que fazer a mesma coisa. A mis-

são é que é comum: as tarefas são diferentes. Isto em razão, não apenas da origem da missão, mas também da sua orientação. Todos nós, cada um à sua maneira, defendemos os mesmos valores, prosseguimos os mesmos objectivos e temos as mes-mas prioridades. Podemos falar de envolvimento comum na missão da Igreja.

pais, dos educadores que trabalham no campo da medicina e da saúde e dos que detêm o poder económico e político" (ChL. 37 e 38). "O matrimónio e a família constituem o primeiro campo para o compromisso social dos fiéis leigos. É um compromisso que só pode levar-se a cabo adequadamente tendo a convicção do valor único e insubstituível da família para o desen-volvimento da sociedade e da própria Igreja". (ChL 40). "A caridade que ama e serve a pessoa não pode jamais estar separada da justiça: uma e outra, cada qual a seu modo, exigem o efectivo reconhecimento pleno dos direitos da pessoa, para a qual está ordenada a sociedade com todas as suas estruturas e instituições"... "Para animar cristãmente a ordem temporal - no sentido assinalado de servir a pessoa e a sociedade - os fiéis leigos não podem, de modo nenhum, abdicar da participação na "política"; isto é, na multiforme e variada acção económica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucional-mente o bem comum... Todos e cada um têm o direito e o dever de participar na política, se bem que com diversidade e complementaridade de formas, níveis, tarefas e responsabilidades. As acusações de arrivismo, de idolatria do poder, de egoísmo e corrupção que, com frequência, são dirigidos aos homens do governo, do parlamento, da classe dominan-te, do partido político, como também a difundida opinião de que a política seja necessariamente um lugar de perigo moral, não justificam o mínimo nem a ausência nem o cepticismo dos cristãos em relação à "coisa" pública"... "além disso, uma política para a pessoa e para a sociedade encontra o seu rumo constante no caminho da defesa e promoção da justiça, entendida como "virtude" em que todos devem ser educados e como "força" moral que sustém o empenho por favorecer os direitos e deveres de todos e de cada um, na base da dignidade pessoal do ser humano" (ChL. 42) "No contexto das perturbadoras transformações que hoje se dão no mundo da economia e do trabalho, os fiéis leigos hão de comprometer-se, na primeira fila, em resolver os gravíssimos problemas da crescente desocupação, a lutar pela mais tempestiva superação de numerosas injustiças provenientes de deformadas organizações de trabalho, a converter o local de trabalho numa comunidade de pessoas respeitadas na sua subjectividade e no direito à participação em desenvolver formas de solidariedade entre aqueles que participam no trabalho comum e de intercâmbios tecnológicos" (ChL.43). "É absolutamente necessário que cada fiel leigo tenha sempre uma viva consciência de ser "membro da Igreja" a quem se confiou uma tarefa original, insubstituível e indelegável que deve levar a cabo para o bem de todos. Nesta perspecti-va, assume todo o seu significado a afirmação do Concílio sobre a absoluta necessidade do apostolado de cada pessoa singular: "O apostolado que cada um deve realizar e que flúi com abundância da fonte de uma vida autenticamente cristã (cf. Jo.4, 14), é a forma primordial e a condição de todo o apostolado dos leigos, inclusivamente do associado e nada pode substituí-lo. A este apostolado, sempre e em todas as partes proveitoso, e em certas circunstâncias o único apto e possível, estão chamados e obrigados todos os leigos, qualquer que seja a sua condição, ainda que não tenham ocasião ou possibilidade de colaborar em associações" (Conc. Vaticano II - Decreto sobre o Apostolado dos Leigos, 16)" (ChL. 28).

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 25: Carisma CVX 1a. Parte

25

4. Encontrar a nossa missão em CVX 104 Na pedagogia inaciana, o ponto de partida é o mundo real. Todos são convidados a

exporem-se à dor, à pobreza, e à “angústia” do nosso mundo. Isto é verdade sobretu-do para os jovens. Inácio usa um termo clássico para expressar esse tipo de experiên-cias. Fala de "provações"89. Estas experiências tocam aqueles que as vivem e permite-lhes olhar o seu mundo com uma nova visão. Estas provações são como “sacramen-tos” que profundamente marcam a pessoa. Seria bom para a CVX procurar modos rea-listas de experimentar o seu mundo desta maneira.

105 Este "baptismo de realidade" vai para lá da pura análise social, e através dele adquire-

se uma especial sensibilidade para os sinais dos tempos. 106 Por outro lado, para encontrar a nossa missão na CVX, é importante estar em disponi-

bilidade sincera para o serviço da Igreja local e universal. Assim actuaram sempre Iná-cio e os seus companheiros.

107 Estando sempre atento aos sinais dos tempos e pronto para o serviço da Igreja, é-se

sensível aos chamamentos específicos que, pelo discernimento apostólico pessoal e comunitário, se transformam em missão. Contudo, não se pode esquecer que o pri-meiro passo no discernimento, para se poder escolher com liberdade e a partir do amor, é a indiferença.

108 Todo o processo de discernimento pelo qual "procuramos" a vontade de Deus no que

se refere à nossa missão requer atenção cuidadosa aos ritmos pessoais e de grupo, com a ajuda dos acompanhantes pessoais e guias de grupo.

4.1. O discernimento apostólico 109 O discernimento apostólico é uma atenção inteligente e contemplativa que o cristão

adulto dá ao Espírito em todos os seus compromissos na família, profissão, sociedade e Igreja. O objectivo é procurar e encontrar a vontade de Deus no que diz respeito à nossa missão. Para buscar a vontade de Deus, o coração deve arder do mesmo fogo que arde no coração de Cristo90. É necessário igualmente conhecer os diferentes modos como Deus pode manifestar a Sua vontade. Numa palavra, deve-se estar pron-to para optar pela maior glória de Deus e pelo bem mais universal.

Quando este processo de discernimento é feito em comunidade - o que é muito carac-terístico da CVX - convém ter presentes os seguintes elementos:

4.1.1. Oração pessoal e comunitária 110 O discernimento é, do princípio ao fim, um caminho de oração. Recordando que fomos

criados para "louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor"91, "reconhecemos a necessidade da oração e do discernimento, pessoal e comunitário… como meios impor-

89 Para compreender a pedagogia inaciana não basta conhecer os Exercícios. Inácio propõe para a formação de um jesuíta uma série de experiências. A primeira de todas é fazer os "Exercícios Espirituais por um mês pouco mais ou menos"... "A segunda, servir em hospitais"... a "terceira, peregrinar por outro mês sem dinheiro"... a "quarta, exerci-tar-se em diversos ofícios baixos e humildes" ... a "quinta, ensinar a doutrina cristã a pessoas rudes" (Constituições 65-69). Evidentemente que este processo não é exigível na CVX, mas é válida a intuição de Inácio que em definitivo tem, antes de mais, os olhos no processo kenótico de Jesus como chave para entender o mistério da salvação (Ver Fil 2, 1ss). 90 Ver Lc 12, 49; Fil 2, 5. 91 Ver EE 23.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 26: Carisma CVX 1a. Parte

26

tantes para buscar e encontrar a Deus em todas as coisas"92. Com "grande ânimo e liberalidade"93 queremos pedir a nosso Senhor os dons da disponibilidade e do conhe-cimento da Sua vontade neste mundo no qual vivemos. Fazemos estes pedidos como parte importante da nossa oração pessoal diária e repetimo-los nos nossos encontros comunitários ao longo de todo o processo de discernimento.

4.1.2. Olhar a realidade 111 Reconhecemos que o mundo inteiro é o nosso lugar de encontro com Deus. Por esta

razão, estabelecemos contacto com tudo o que nos rodeia para aí descobrirmos o chamamento do Senhor. E porque o campo da nossa possível missão não tem limi-tes94, não podemos estreitar este nosso olhar sobre a realidade quando procuramos descobrir qual é a nossa missão. O Senhor fala-nos na nossa comunidade, através da sua história presente e passada, na Igreja e no nosso país95. Este é o modo como podemos vê-Lo a actuar através de nós nos nossos apostolados pessoais96 e nos apos-tolados de grupo ou associados97. As necessidades que vemos hoje na Igreja e no mundo são igualmente chamamentos do Senhor. Queremos responder melhor, saben-do que "o amor consiste mais em obras do que em palavras"98.

4.1.3. O nosso carisma inaciano

112 Como Comunidade sabemos que a nossa vocação comum, o nosso carisma e estilo de

discernimento, têm a sua origem nos Exercícios Espirituais e estão expressos nos Prin-cípios Gerais da CVX. A nossa vida não tem sentido se não for para querer e buscar "em tudo e por tudo o maior louvor e glória de Deus nosso Senhor" (EE 189). Recor-demos que "a nossa vida é essencialmente apostólica" e que "o campo da missão da CVX não conhece limites". “Como membros do Povo de Deus peregrino recebemos de Cristo a missão de ser Suas testemunhas diante de todas as pessoas, pelas nossas ati-tudes, palavras e acções"99.

4.1.4. Moções espirituais 113 S. Inácio aprendeu a reconhecer os movimentos interiores e espirituais. Na sua Auto-

biografia ele diz que estando ainda na casa de Loyola "se lhe abriram um pouco os olhos e começou a maravilhar-se desta diversidade e a reflectir sobre ela, colhendo por experiência que com uns pensamentos ficava triste e com outros alegre e pouco a pouco chegou a conhecer a diversidade dos espíritos que se agitavam: um do demónio e o outro de Deus"100.

114 Depois, em Manresa, durante a experiência original dos Exercícios Espirituais, apro-

fundou a sua consciência dessa diversidade de moções espirituais e da forma de inter-pretá-las para conhecer a vontade do Senhor. Formados na escola dos Exercícios, podemos aprofundar diariamente a nossa compreensão e aprendermos a ficarmos mais conscientes e interpretarmos com mais segurança estes movimentos interiores,

92 Ver PG 5. 93 Ver EE 5. 94 Ver PG 8. 95 Ver o que dissemos sobre as "provações" que S. Inácio propunha. 96 Ver PG 8a. 97 Ver PG 8b. 98 Ver EE 230. 99 Ver PG 8. 100 Autobiografia 8.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 27: Carisma CVX 1a. Parte

27

suscitados ao olharmos para o que nos rodeia. Isto permite-nos conhecer o que o Senhor deseja de nós, como indivíduos e como comunidade.

4.1.5. Processo de grupo 115 Estes movimentos interiores serão experimentados na oração e na vida diária por cada

membro da comunidade. Eles serão também parte da experiência que partilhamos abertamente. Tomar consciência deles e interpretá-los espiritualmente permitir-nos-á saber se as nossas reacções ao mundo à nossa volta nos conduzem ao maior serviço e louvor de Deus.

116 Tudo isto pressupõe que o grupo já está profundamente alicerçado na confiança mútua

e que, com a ajuda do guia, pode ser sensível ao processo dinâmico do grupo como tal. Será importante Uma constante abertura aos outros, através da escuta, será importante, evitando qualquer discussão a não ser que o processo de discernimento explicitamente o peça.

117 Estes elementos são essenciais para um discernimento apostólico e convém que este-

jam presentes ao longo de todo o processo. Como já foi dito, o apoio constante de um bom guia de comunidade é necessário. De forma semelhante para o discernimento apostólico individual é recomendado que tenhamos o apoio de um acompanhante espi-ritual experimentado.

4.2. O discernimento apostólico como atitude permanente 118 De uma ou outra forma, estes elementos estão sempre presentes no membro CVX que

deseja viver o discernimento apostólico como atitude habitual. É o fruto da “Contem-plação para alcançar amor" no fim dos Exercícios101: "conhecimento interno de tanto bem recebido, para que eu, inteiramente reconhecido, possa em tudo amar e servir a Sua divina majestade". Movido por esse amor agradecido, S. Inácio convida-nos a buscar sempre a maior lucidez quanto à presença e acção de Deus nas nossas vidas.

119 Por isso, o exame é uma das actividades mais significativas pela qual o discernimento

apostólico se torna parte de nós102. Nos Exercícios são-nos propostos diversos tipos de exame. Entre eles está o Exame Geral (ou revisão do dia) que nos ajuda a "em tudo amar e servir" recordando que "o amor consiste mais em obras do que em palavras". Para Inácio, a revisão do dia é verdadeiramente um colóquio a transbordar gratidão humilde e cheio de fé, confiança e amor103.

120 Supõe-se que aquele que pratica este “exercício espiritual” é um apóstolo que, ao lon-

go do dia, colaborou com o Senhor Jesus, de acordo com a meditação do Reino: "aquele que quiser vir comigo..."104, e que no final do dia quer falar sobre o que o

101 Ver EE 230-237. 102 Uma dinâmica fundamental dos Exercícios Espirituais é o contínuo apelo a reflectir, na oração, sobre o conjunto de toda a experiência pessoal para poder discernir onde nos leva o Espírito de Deus. Inácio exige a reflexão sobre a expe-riência humana como meio indispensável para discernir a sua validade, porque sem uma reflexão prudente, é muito possível a mera ilusão enganadora e sem uma consideração atenta, o significado da experiência individual pode ser desvalorizado ou tornar-se trivial. Só depois de uma reflexão adequada da experiência e de uma interiorização do significado e das implicações do que se vive, se pode proceder livre e confiantemente a uma eleição correcta dos modos de proceder que favoreçam o desenvolvimento pleno e integrado de cada pessoa que busca a maior fidelidade no cum-primento da missão que recebe de Deus. Para S. Inácio a reflexão constitui o ponto central na passagem da experiência à acção. A contínua inter-relação de experiência, reflexão e acção definem o paradigma pedagógico inaciano. 103 Alguns tipos de "exames" propostos no livro dos Exercícios são: a "Quinta adição da Oração (EE 77); o "Primeiro Modo de Orar" que pode ser considerado como uma oração de exame (EE 241); o Exame Particular (EE 24-31). Ver no Material de apoio: "Revisão do Dia". 104 Ver EE 95.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 28: Carisma CVX 1a. Parte

28

Senhor fez durante todo este tempo, "como um amigo fala ao seu amigo"105. Para o dia que está prestes a começar, há a oração a pedir a graça de viver cada momento partilhando a missão de Jesus.

121 Assim, para aqueles que seguem as pegadas do apóstolo procurando continuar ao lado

do Senhor, o exame é uma paragem absolutamente indispensável, que lhes permite ver a sua jornada em perspectiva e recuperar forças para empreender a nova etapa com renovado vigor e lucidez. Acima de tudo, a prática fiel do exame é essencial para a formação do "contemplativo na acção" que busca e encontra Deus em todas as coi-sas.

4.3. Critérios inacianos para o discernimento apostólico 122 Os Princípios Gerais da CVX insistem na necessidade do discernimento apostólico106.

Oferecem também alguns critérios, inspirados pelos que foram estabelecidos por S. Inácio, para seleccionar os ministérios e as missões particulares. Como tudo o que nos vem de Inácio, neste caso o discernimento apostólico, tem a marca do “magis” (o mais eficaz). O seu zelo pela maior glória de Deus levava-o a buscar os meios mais eficazes para ajudar o próximo.

123 O discernimento desses meios mais aptos faz-se no Espírito de Cristo, através das

regras para discernir quais os movimentos interiores que vêm do mesmo Espírito, através da nossa contemplação da vida de Jesus. Essas regras foram já mencionadas no parágrafo referente à escolha da nossa vocação pessoal. É um processo que envol-ve o coração não menos que a cabeça. Inácio, contudo, propõe alguns critérios racio-nais, (cf. Três tempos para fazer eleição, EE 175) com vista a descobrir o maior servi-ço que se pode prestar ao nosso próximo em determinadas circunstâncias.

124 Os critérios inacianos de discernimento apostólico encontram-se não apenas nos EE,

mas também, e sobretudo, na Autobiografia, onde o progresso pessoal e os processos são ilustrados e nas suas Cartas, onde Inácio sugere estratégias para objectivos defi-nidos e propõe meios para os atingirmos. Nas Constituições da Companhia107, Inácio faz uma apresentação sistemática dos critérios para a escolha dos ministérios108. Estes critérios podem ajudar-nos a nós na CVX a definir a nossa própria missão apostóli-ca109; por exemplo, que como membros da CVX devemos estar abertos ao que é mais urgente e mais universal.

105 Ver EE 54. 106 "A Comunidade ajuda-nos a viver este compromisso apostólico nas diferentes dimensões e a estarmos sempre abertos ao mais urgente e universal, particularmente através da "Revisão de Vida" e do discernimento pessoal e comu-nitário. Tentamos dar um sentido apostólico até às realidades mais humildes da vida quotidiana" (PG 8c). "Já que a Comunidade de Vida Cristã tem como objectivo trabalhar com Cristo para fazer avançar o Reino de Deus, todos os membros são chamados a uma participação activa no vasto campo do serviço apostólico. O discernimento apostólico, tanto individual como comunitário, é caminho ordinário para descobrirmos a melhor maneira de tornar Cristo presente, concretamente no nosso mundo" (PG 12b). 107 Ver Constituições 618, 622... 108 O bem mais universal, mais duradouro: "pensar globalmente, agir localmente", que por outras palavras significa "preferir o estrutural ao conjuntural"; criar instituições mais que acções pontuais; preferir acções e serviços em que os participantes possam intervir. O mais necessário e urgente: estar onde não está mais ninguém; estar onde quem lá deveria estar se preocupa pouco. O maior fruto: formar agentes multiplicadores; criar espaços de comunicação, conscientes de que somos uma única família global. 109 Ver também PG 8a.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 29: Carisma CVX 1a. Parte

29

II. A COMUNIDADE DE VIDA CRISTÃ

(CVX) 125 A CVX é chamada a ser, antes de mais, uma comunidade cristã, com um certo número

de traços e características específicos. Para ajudar a uma melhor compreensão dos traços distintivos da CVX enquanto comunidade, examinaremos primeiro, muito bre-vemente, o caminho específico de crescimento e de maturação da comunidade e, depois, mais pormenorizadamente, o papel que a comunidade desempenha no cresci-mento e maturação dos seus membros.

A. O PROCESSO DA CVX COMO COMUNIDADE

126 A nossa fé bíblica mostra que Deus chama não apenas indivíduos, mas também envia comunidades a caminho, religiosas ou laicais, como a CVX.

127 Portanto, tomando os Exercícios Espirituais como a "fonte específica" da nossa espiri-

tualidade, a CVX como grupo vive uma história de graça semelhante à caminhada vivi-da por um indivíduo. A comunidade atravessa momentos de promessa, de chamamen-to e de avanço com confiança e esperança. Atravessa períodos de crise: momentos em que se sente longe de Deus, mas regressa para Ele e sente-se acolhida. Passa por experiências de regeneração do amor de Deus, em reconciliação e aceitação mútua, e por períodos de discernimento dos apelos de Deus para continuar a crescer até se tor-nar comunidade apostólica de discernimento.

128 Começa habitualmente por se constituir como uma comunidade de amigos no Senhor.

Este primeiro objectivo dá orientação ao grupo e oferece a base necessária para o desenvolvimento da comunidade. Para que a comunidade possa ter, desde o princípio, a riqueza dos "amigos no Senhor" é importante que nela se viva uma verdadeira expe-riência de Deus110.

129 Depois de um tempo inicial em que a comunidade está cheia de esperança, pode haver

momentos de crise e de tensão, e mesmo de pecado colectivo. Nesses tempos, é importante que o guia os ajude a ver e a viver que um grupo CVX pode acabar por se dissolver, se ninguém o ajuda a olhar e a viver esses momentos como tempos de cres-cimento, de purificação e de reconciliação em e com Cristo (Primeira semana dos Exercícios).

130 Graças a essa experiência, um novo desejo começa a surgir na comunidade: estar

unida a Cristo na sua missão no mundo e orientar a vida, cada vez mais, à luz das escolhas de Cristo (Segunda semana e seguinte dos Exercícios). Contacto com a pobreza, marginalização, e outras situações dolorosas no nosso mundo e a prática fre-quente dos Exercícios Espirituais, personalizados e completos, se possível, serão necessários. Este será o momento para discernimento vocacional (para jovens, a elei-

110 "A frequente participação na Eucaristia, a intensa vida sacramental, a prática diária da oração pessoal, especialmen-te baseada na Sagrada Escritura, o discernimento por meio da revisão diária da própria vida e – dentro do possível – a direcção espiritual periódica; uma renovação interior anual em conformidade com as fontes da nossa espiritualidade e o amor à Mãe de Deus" (PG. 12a).

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 30: Carisma CVX 1a. Parte

30

ção dum estado de vida, duma profissão, etc… para adultos, a reforma de vida) e mais tarde para se abrir como pessoa e como comunidade a um permanente discernimento apostólico no seguimento de Cristo.

131 Deste modo, a Comunidade torna-se uma comunidade apostólica, composta por adul-

tos “que desejam seguir mais de perto a Jesus Cristo e trabalhar com Ele na constru-ção do Reino e que reconheceram na Comunidade de Vida Cristã a sua particular voca-ção na Igreja”111; consequentemente, fazem com ela um compromisso permanente. Os membros dum grupo ajudam-se mutuamente a manter vivo o seu zelo apostólico e o serviço de qualidade que a Igreja espera deles.

132 Vê-se a si mesma não só como comunidade de apóstolos, isto é, de pessoas mais ou

menos comprometidas nas suas missões individuais, mas é antes uma comunidade apostólica em que os seus membros, ainda que se dediquem a suas diferentes tarefas, partilham as vidas e o modo como cada um realiza a própria missão, fazem discerni-mento sobre o objectivo e o conteúdo dessa missão. Eles são enviados pela Comuni-dade e, com a sua ajuda, avaliam o modo como estão a seguir Cristo que foi enviado pelo Pai.

133 Na etapa adulta, a missão mais importante é normalmente a “família”. O tempo dedi-

cado à comunidade será rigorosamente administrado. As reuniões e demais aconteci-mentos são programados para ter “missão” como seu objectivo. O ritmo comunitário não pode ser como nas etapas primeiras, quando os seus membros estavam em de formação (do ponto de vista humana, profissional e cristão). Neste estádio, é necessá-ria muita imaginação e flexibilidade.

B. CARACTERÍSTICAS DA CVX ENQUANTO COMUNIDADE

1. Uma comunidade de vida 134 "A fim de preparar mais eficazmente os nossos membros para o testemunho e o servi-

ço apostólico, especialmente no nosso ambiente diário, reunimos em comunidade pes-soas que sentem uma necessidade mais urgente de unificar a sua vida humana, em todas as suas dimensões, com a plenitude da sua fé cristã de acordo com o nosso carisma"112.

135 A vocação na CVX é comunitária. É vivida com o apoio da comunidade. O compromisso

do indivíduo para com a Comunidade Mundial expressa-se por intermédio de uma comunidade particular livremente escolhida113 composta, no máximo, por doze pes-soas, em geral de condição semelhante114. Cada membro desta comunidade de amigos no Senhor é chamado a acompanhar os seus membros no discernimento das suas vocações pessoais e vidas de colaboradores na missão de Cristo115. Podemos dizer que a comunidade é um meio privilegiado para a CVX implementar a espiritualidade inacia-na e o serviço apostólico na vida dos seus membros116.

136 A CVX é “uma reunião de pessoas em Cristo, uma célula do Seu Corpo místico”, fun-

dada, portanto, na fé e numa vocação comum, mais do que em afinidades naturais:

111 PG 4. 112 PG 4. 113 Ver PG 7. 114 Ver NG 39b. 115 Ver PG 12c. 116 Ver PG 11.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 31: Carisma CVX 1a. Parte

31

"Estamos vinculados pelo nosso compromisso comum, o nosso estilo de vida comum, e pelo nosso reconhecimento e a Maria como nossa mãe"117.

137 A própria comunidade, na medida em que o grupo expressa união entre os seus mem-

bros e com os outros, dá testemunho da Boa Nova de Cristo perante o mundo. 138 Com algumas excepções, os membros de um grupo normalmente não partilham os

bens em comum nem vivem debaixo do mesmo tecto. No entanto, a CVX é uma comunidade de vida, e enquanto tal é uma "experiência concreta de unidade no amor e na acção"118, porque os seus membros estão comprometidos em:

seguir a mesma vocação específica na Igreja (PG 4) e adoptar um estilo de vida consequente com essa vocação119;

partilhar os seus problemas, aspirações, projectos e vários aspectos das suas vidas, e ajudarem-se uns aos outros desta maneira para viverem a sua fé cristã em plenitude120;

ajudar-se mutuamente nas suas necessidades materiais e espirituais, com espírito de solidariedade;

assumir uma missão comum, não obstante diferentes condições sociais, idades, personalidades ou tarefas121.

139 O processo de formação da CVX implica a ajuda mútua dos seus membros para o cres-

cimento espiritual e apostólico, procurando integrar a sua fé com as suas vidas. A comunidade é capaz de continuar a dinâmica gerada pelos Exercícios Espirituais122, de forma a que os membros estejam melhor preparados para o testemunho e o serviço apostólico123.

140 A comunidade CVX apoia o desenvolvimento humano, espiritual e apostólico de cada

um dos seus membros, sobretudo por meio:

de actividades apostólicas assumidas pela comunidade e o seu compromisso com uma missão comum;

do testemunho das vidas dos membros, especialmente dos adultos;

de actividades formativas como a oração partilhada, o exame geral, o discernimen-to comunitário e grupos de estudo;

da vida do grupo e do trabalho em equipa que suportam atitudes de liberdade inte-rior e de abertura aos outros, tais como a capacidade de compreender e de per-doar, a renúncia aos próprios desejos, e uma sensibilidade às necessidades dos outros e a prontidão para responder;

do serviço à comunidade local, regional, nacional e mundial. 141 A expressão mais concreta desta vida comunitária é a reunião que deve ter lugar se-

manal ou quinzenalmente. A regularidade é necessária para um crescimento real no grupo124. Nestas reuniões, têm lugar importantes elementos da formação CVX, apro-priados para uma comunidade que vive em missão e que está comprometida no servi-ço apostólico. Os laços comunitários são reforçados mediante um melhor conhecimen-to uns dos outros e por gestos recíprocos de amor e de serviço.

117 Ver PG 7. 118 Ver PG 7. 119 Ver PG 4 e PG 7. 120 Ver PG 12c. 121 Ver PG 8. 122 Ver NG 39c. 123 Ver PG 4. 124 Ver NG 39b.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 32: Carisma CVX 1a. Parte

32

142 A vida da CVX está centrada na Eucaristia. É por isso que todos os seus membros par-

ticipam periodicamente juntos na celebração da Eucaristia125, expressando sacramen-talmente aquela comunhão íntima fundada em Cristo e na Igreja.

2. Uma comunidade em missão 143 Viver em missão é o modo de ser específico da CVX e da própria Igreja. Tudo quanto é

e faz adquire o seu sentido da missão126. A CVX é uma comunidade em missão, ou comunidade apostólica.

2.1. Uma missão sempre comunitária 144 Mesmo quando o serviço apostólico é feito individualmente, este é sempre parte da

missão recebida na CVX. A missão é sempre comunitária. 145 É o ser enviado pela Igreja que dá sentido de missão às tarefas apostólicas e aos ser-

viços humanitários dos membros da CVX. A comunidade mundial, integrada na vida e missão da Igreja, é a mediadora fundamental da nossa missão. Nós recebemos esta missão nas nossas comunidades locais e nacionais.

146 A missão é comunitária também porque é fruto de um discernimento comunitário, a

nível local, nacional e mundial. Graças à comunidade, um discernimento pessoal para escolher, completa-se com o discernimento comunitário para enviar.

147 O pequeno grupo ou comunidade local é indispensável ao discernimento da missão,

embora esta estrutura não seja o melhor meio para sustentar certas actividades apos-tólicas nem o lugar onde nascem todas as iniciativas. Quando se trata, no quadro da missão, de fixar prioridades apostólicas mais universais ou de concretizar acções orga-nizadas, próprias da CVX ou em colaboração com outros grupos, devemos recorrer a estruturas mais importantes, como as Assembleias Gerais e os Conselhos Executivos a nível da Comunidade Mundial ou das Comunidades Nacionais.

2.2. Discernimento apostólico comunitário 148 O discernimento apostólico comunitário é uma maneira de pôr em prática o que o Con-

cílio Vaticano II chamou discernir os sinais dos tempos e envolve os seguintes passos:

que a comunidade esteja atenta e capaz de se abrir às necessidades aos outros, de ouvir os seus desejos mais profundos e reconhecer as suas necessidades mais prementes, para descobrir quais são as tarefas mais urgentes e mais universais que devem ser assumidas, e para oferecer soluções mais eficazes, mais radicais e mais globais para estes problemas.

que a comunidade reze pela graça da disponibilidade. Nesta oração, recebemos o fruto duma comunidade que deseja estar atenta e aberta a esse Espírito que nos chama ao serviço e nos envia em missão. Esta oração partilha-se no grupo.

que a comunidade delibere, envie e confirme a nossa missão: que seja capaz de tomar decisões, de optar e de assumir tarefas apostólicas em que, de uma maneira ou de outra, todos os membros do grupo estão comprometidos.

125 Ver NG 40. 126 Ver PG 4 e 8.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 33: Carisma CVX 1a. Parte

33

3. Uma comunidade mundial

3.1. A universalidade da CVX 149 A dimensão comunitária da CVX reflecte a tensão que se encontra entre o particular e

o universal, entre a comunidade local e a comunidade mundial. A CVX é basicamente uma comunidade de partilha de vida ao nível local, mas tem também uma dimensão universal.

150 No seguimento um discernimento comunitário iniciado na Assembleia de Roma ’79 e

concluído em Providence ’82, a Federação Mundial decidiu tornar-se uma única comu-nidade mundial, governada pelas Assembleias Mundiais, que são momentos privilegia-dos de discernimento comunitário da missão CVX.

151 Inicialmente, um grupo reunido à volta do P. Jean Leunis SJ fundou a Congregação

Mariana. Ao multiplicarem-se os grupos, agregaram-se a uma comunidade-mãe em Roma (1574), chamada a "Prima Primaria". Em 1953, as Congregações Marianas uni-ram-se numa Federação Mundial.

152 Em 1967, foram aprovados os Princípios Gerais e a renovação do espírito expressou-se

na mudança de nome para Federação Mundial de Comunidades de Vida Cristã. Em 1982, a Assembleia Mundial de Providence aprovou ser uma única Comunidade Mun-dial, vivida em comunidades locais. Cada membro da CVX pertence, em primeiro lugar, à Comunidade Mundial através da sua comunidade particular. "O dom de nós mesmos encontra a sua expressão num compromisso pessoal com a Comunidade Mundial, através de uma comunidade local livremente escolhida"127.

153 Assim a dimensão universal da CVX é visível na nossa comunidade mundial una. Esta

dimensão universal deveria estar presente como atitude em todos os membros e em todas as comunidades locais, uma vez que está enraizada na nossa teologia e é um elemento essencial da nossa espiritualidade inaciana.

3.2. Raízes teológicas da universalidade da CVX 154 Os Princípios Gerais falam-nos das três Pessoas Divinas que ao contemplar a humani-

dade dividida, decidem dar-se completamente a todos os homens e mulheres para os libertar de todas as usas cadeias128. Esta iniciativa redentora expressa-se na Encarna-ção do Filho e desperta – como graça – nos membros da CVX o desejo de participar na missão de Jesus Cristo

155 Quanto mais profundamente vivermos a nossa fé em Cristo, maior será o nosso desejo

de comunhão com todos os homens e mulheres, indo para além da nossa comunidade local, para chegar a “todas as pessoas de boa vontade”129, como a Trindade fez em Cristo. Na Assembleia Mundial em Roma 1979, disse-se:

Somos chamados a um sentido mais profundo de comunidade. A nossa comunida-de é chamada a reflectir a família de Deus. Deus é comunidade.

127 Ver PG 7. 128 Ver PG 1. 129 Ver PG 7.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 34: Carisma CVX 1a. Parte

34

Os membros da CVX esforçam-se por contemplar o mundo a que são enviados, à maneira da Trindade, levando a cabo nas suas vidas a tarefa que o Rei Eterno deseja realizar na história de cada um130.

3.3. Uma comunidade ao serviço de um mundo 156 “A nossa responsabilidade em desenvolver os vínculos da comunidade não pára na

comunidade local, mas estende-se à Comunidade de Vida Cristã Nacional e Mundial, às comunidades eclesiais de que fazemos parte (paróquia, diocese), a toda a Igreja e a todas as pessoas de boa vontade”131.

157 Na Assembleia Mundial Roma ‘79, fez-se um discernimento comunitário que conduziu

à decisão de transformar a Federação Mundial em uma Comunidade Mundial. As prin-cipais razões que levaram a tal escolha foram as seguintes:

Sensibilidade e compromisso para com as necessidades e problemas da humani-dade132.

Abertura a pessoas de outros países e culturas133.

Necessidade de unidade de visão e acção perante os problemas mundiais134.

Disponibilidade para o mais urgente e para o mais universal. Como membros CVX, estamos “predestinados para nada, disponíveis para tudo”. Enquanto outras asso-ciações dentro da Igreja assumem tarefas apostólicas específicas, a CVX permane-ce aberta para servir todas as necessidade da Igreja e do mundo, quaisquer que elas sejam135.

Enriquecimento mútuo entre comunidades136.

4. Uma comunidade eclesial

4.1. As bases do carácter eclesial da CVX 158 A CVX nasce e cresce no seio da Igreja, e colhe da Igreja a sua identidade e universa-

lidade. Esta relação vital com a Igreja funda-se na união com o próprio Cristo. De fac-to, esta “união com Cristo leva à união com a Igreja onde Cristo, aqui e agora, conti-nua a sua missão de salvação”137.

159 A CVX está, a todos os níveis, ao serviço do povo de Deus. Pela sua própria existência

dentro da Igreja, a CVX contribui para promover:

130 Ver PG 4. 131 Ver PG 7. 132 “Pede-se-nos uma maior sensibilidade às necessidades dos outros. A universalidade da CVX é um desafio e um ideal que nos convida a comprometermo-nos ainda mais com todos, pois todos somos preciosos diante de Deus. Um membro da CVX e uma pequena comunidade, se têm uma visão universal, abrir-se-ão à missão de Cristo que se estende a todos.” (Roma ’79) 133 “Como membros de uma comunidade mundial somos chamados a estabelecer laços mais íntimos com outras cultu-ras, rompendo preconceitos, abrindo os olhos a perspectivas de outra países, interessando-nos pelos que vivem além das nossas fronteiras, descobrindo melhor a riqueza que existe em cada um deles” (Roma ’79). “O mundo precisa do testemunho de uma comunidade de amor que vá para além das fronteiras. 134 A CVX, como parte da Igreja, está chamada a uma responsabilidade global, perseguindo, apesar das diferenças, as mesmas metas e visão do mundo (Roma ’79). Ao sermos uma comunidade mundial, com maior união dos problemas comuns, podemos dar uma resposta mais ade-quada à situação do mundo de hoje (ibid.). 135 “O campo da missão da CVX não tem limites: estende-se à Igreja e ao mundo, para tornar presente o Evangelho de salvação a todos” (PG 8). 136 “Esta dimensão universal convida-nos a enriquecermo-nos mutuamente através do partilhar profundo das nossas espiritualidades, programas de formação, planos sociais, instituições espirituais e recursos. Na medida em que cada membro e comunidade viva esta dimensão universal, poderemos ver a verdadeira dimensão dos nossos problemas nacionais, abrindo-nos cada vez mais às necessidades de toda a associação” (Roma ’79). 137 PG 6.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 35: Carisma CVX 1a. Parte

35

uma Igreja onde se encontra comunidade na diversidade de carismas e de ministé-rios e responsabilidade partilhada no cumprimento da única missão de Cristo;

uma Igreja que não é um fim em si mesma, pois “tem como missão anunciar o Reino de Cristo e de Deus e de instaurá-lo em todas as nações e constitui na terra o gérmen e o princípio desse Reino”138.

4.2. Relações da comunidade CVX com a Igreja 160 a. Fidelidade à mensagem de Cristo A CVX procura aprofundar o seu conhecimento do Evangelho vivendo a fé que nos foi

transmitida pelos Apóstolos, preservada e interpretada pela Igreja e resguardada pelo seu magistério.

161 b. Participação na vida da Igreja A CVX não vive isolada do resto da comunidade cristã (paróquia, diocese, Igreja nacio-

nal e universal). Pelo contrário, sente-se parte integrante desta comunidade, e expres-sa-o:

na vida litúrgica e sacramental que, centrada na eucaristia, é “uma experiência concreta de unidade no amor e na acção”139;

em toda a sua vida, pela participação nas actividades da Igreja e pela identifica-ção afectiva e efectiva com o seu destino, comprometida no seu desenvolvimento, atenta às suas necessidades e problemas, contente com os seus progressos.

162 c. Colaboração na missão da Igreja Tendo recebido a missão na Igreja e pela Igreja, a CVX, de acordo com as suas orien-

tações e prioridades pastorais, oferece ao povo de Deus e aos seus pastores a contri-buição do seu serviço apostólico e do seu carisma rico e original, num espírito de dis-cernimento e de responsabilidade partilhada.

163 d. Solidariedade A CVX procura de modo especial abrir-se, num espírito de comunhão fraterna, aos

pobres e aos excluídos, a quantos que, na Igreja e no mundo, têm mais necessidade de ajuda e de amparo; está pronta a partilhar o que tem com eles e a integrar esta atitude no seu estilo de vida.

138 Lumen Gentium 5. 139 PG 7.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 36: Carisma CVX 1a. Parte

36

III. O COMPROMISSO NA CVX

O COMPROMISSO NOS PRINCÍPIOS GERAIS E NORMAS GERAIS

164 “Tornar-se um membro da Comunidade de Vida Cristã pressupõe uma vocação pes-soal. Durante um período de tempo, determinado nas Normas Gerais, o candidato é iniciado no estilo de vida próprio da CVX. Este tempo é oferecido ao candidato e à Comunidade para discernirem a vocação dele. Uma vez tomada a decisão e aprovada pela Comunidade, o novo membro assume um compromisso temporário e, com o auxí-lio da Comunidade, comprova a sua aptidão para viver de acordo com o fim e o espíri-to da CVX. Depois de um período de tempo conveniente, determinado pelas Normas Gerais, segue-se o compromisso permanente”140.

165 “Qualquer que seja o modo de admissão, os novos membros devem ser ajudados pela

Comunidade a assimilar o estilo de vida CVX, a decidir se se sentem chamados a ele, se desejam e são capazes de vivê-lo, e a identificar-se com a grande Comunidade de Vida Cristã. Depois de um período de tempo, ordinariamente não maior que quatro anos e não menor que um, assumem um compromisso temporário com este estilo de vida. Recomenda-se vivamente, neste momento, uma experiência dos Exercícios Espi-rituais como meio de chegar a esta decisão pessoal”141.

166 “O compromisso temporário continua válido até que a pessoa, depois de um processo

de discernimento, expresse o seu compromisso permanente na CVX, a não ser que livremente se retire da Comunidade ou seja excluído dela. A duração de tempo entre o compromisso temporário e o permanente não deve ser, ordinariamente, superior a oito anos nem inferior a dois”142.

167 “Uma experiência dos Exercícios completos numa das suas diversas formas (na vida

diária, o mês de retiro, vários retiros ao longo de vários anos) precede o compromisso permanente com a Comunidade de Vida Cristã”143.

A. FUNDAMENTAÇÃO DO COMPROMISSO

Quando nos interrogamos sobre as razões que nos levam a comprometermo-nos na CVX, descobrimos os próprios fundamentos do compromisso. São três os fundamentos principais:

168 1. O fundamento teológico trinitário. As raízes do compromisso na CVX não se

encontram em nós mesmos, mas em Deus. O Princípio e Fundamento do nosso com-promisso está em Deus que estabelece com o Seu povo uma aliança inquebrável. O Senhor é o primeiro a comprometer-se de modo permanente, visível. Deus tem sido fiel a essa aliança vezes sem conta ao longo da história, como testemunham as Suas

140 PG 10. 141 NG 2. 142 NG 3. 143 NG 4.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 37: Carisma CVX 1a. Parte

37

acções libertadoras. Mas é na Encarnação que Ele nos mostra, “sem deixar lugar a dúvidas”, o maior e irrevogável sinal desta aliança144.

169 2. O fundamento antropológico. Os seres humanos não são puros espíritos e têm

necessidade de expressar as suas experiências mais profundas através dos sentidos. A nossa relação com o mistério de Deus exprime-se melhor em sinais visíveis, sacra-mentais. Do mesmo modo, somos parte da história em que vivemos, por isso as nos-sas experiências espirituais e apostólicas são vividas nestes tempos. Portanto, o com-promisso temporário ou permanente com a CVX é perceptível pelos sentidos. O com-promisso permanente quer significar que, na contingência do tempo, medimos a nossa resposta pelo Amor de Deus sempre fiel e a plenitude do mistério de Cristo que resu-me em Si todas as coisas145.

170 3. O fundamento comunitário – a Igreja. Não vivemos a nossa vocação e a nossa

missão como indivíduos isolados. Vivemo-las em comunidade e proclamamos perante essa comunidade de amigos e de companheiros no Senhor que estamos na Igreja e com a Igreja. A comunidade tem o direito de ver, de ouvir, de sentir e de apreciar o nosso compromisso. Isso ajuda-nos a viver com coerência o estilo de vida com que nos comprometemos146.

171 Comprometermo-nos é, portanto, apresentarmo-nos livremente perante o Senhor e o

Seu povo e dar um sinal visível daquilo que vivemos e discernimos nos nossos cora-ções. É um gesto de alguma maneira semelhante ao compromisso matrimonial. Pro-clamando, perante Deus e os nossos companheiros, que nos comprometemos com uma espiritualidade, um estilo de vida, uma missão, confirmamos diante deles o nosso discernimento e a oblação de nós mesmos. Proclamamos publicamente que a Comuni-dade de Vida Cristã é o corpo em que vivemos o carisma que nos deu o Espírito do Senhor.

B. O COMPROMISSO TEMPORÁRIO

1. O processo conducente ao compromisso temporário

172 A leitura dos Princípios Gerais e das Normas Gerais mostra que a vida na CVX nasce de um chamamento do Senhor dirigido a cada um dos seus membros e que uma tal voca-ção é apostólica e universal, vivida na Igreja e no seio de uma comunidade local.

173 Esta ênfase na vocação pode inspirar, mais do que qualquer outra coisa, os passos

iniciais na CVX. Os novos membros “devem ser ajudados pela Comunidade a assimilar o estilo de vida CVX, a decidir se se sentem chamados a ele, se desejam e são capazes de vivê-lo”147.

174 A vocação – ou chamamento – é sentida de início como uma atracção vaga e difusa,

mas, no entanto, suficiente para incitar a entrar em contacto com a CVX. Quando uma pessoa se integra numa comunidade, esta ajuda-a a familiarizar-se com o estilo de vida e com os os meios de crescimento no Espírito próprios da CVX148. Estes meios

144 Ver 2Cor 1, 19-20. 145 Ver Lc 9, 62; Rom 12, 1. 146 Ver Mt 6, 14-16; 1Tes 1, 6-10; Heb 10, 23-25. 147 Ver NG 2. 148 Ver PG 12.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 38: Carisma CVX 1a. Parte

38

são-lhe propostos de modo gradual, no decurso de um processo de formação durante o qual o guia149 desempenha um papel importante.

175 Neste estádio de crescimento, a pessoa deve tomar certas decisões: fazer um dia de

recolecção, juntar-se à vida de uma comunidade local, assistir regularmente às reu-niões de grupo, iniciar-se no acompanhamento espiritual, tomar parte numa actividade apostólica, fazer Exercícios Espirituais ou um retiro de quatro a oito dias, etc. Estas decisões levam a um compromisso progressivo no estilo de vida CVX. Ao longo do pro-cesso, o candidato sentirá “moções”, e estas servirão para o ajudar a verificar se este é ou não o caminho para ele enriquecer a sua relação com Deus. A Comunidade, pela sua parte150, sustenta a pessoa num ambiente de discernimento e encoraja-o a dar novos passos em direcção ao crescimento e ao compromisso.

176 Finalmente chegará o momento em que a pessoa deve ponderar em oração se o cami-

nho ao longo do qual foi instruído e acompanhado durante algum tempo (de 1 a 4 anos, segundo as Normas Gerais) é verdadeiramente um chamamento e uma graça de Deus. Este momento de discernimento pode chegar de modo espontâneo, não importa em que ponto do processo ou pode ser uma resposta a um convite deliberado.

2. Objecto e sentido do compromisso temporário 177 O compromisso temporário é a expressão dum desejo de viver segundo o estilo de

vida CVX. Este compromisso implica a procura da vocação à qual o Senhor está a chamar a pessoa, e o discernimento dessa vocação.

178 Naqueles que já têm a necessária disposição, este discernimento vocacional desenvol-

ve-se a dois níveis:

A escolha de um estado de vida, por aqueles que ainda não o fizeram (a vida religiosa, claro, exclui um compromisso permanente com a CVX).

Emenda e reforma de vida, para os que já decidiram sobre o seu estado de vida151.

179 Este discernimento de vocação não toma como garantido uma vocação à CVX definiti-

va, mas procura permanecer aberto a qualquer estado de vida a que possamos estar a ser chamados pela vontade de Deus. Este processo, vivido à maneira da CVX, implica que a pessoa já pertença a uma comunidade com a qual fez um compromisso tempo-rário, mesmo que a vocação pessoal não tenha ainda sido claramente definida.

180 Um aspecto importante deste discernimento é a questão: “quer e deseja” buscar e

encontrar a vontade de Deus na sua vida e seguir o Seu chamamento? Isto pressupõe uma experiência sempre aprofundada de Deus fomentada pelos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, com o apoio da comunidade, para um maior serviço. Discerne se sim ou não o caminho CVX é o que Deus quer para ele, e se está “aberto, livre e disponí-vel” para prosseguir este caminho com uma “determinação deliberada”152 em direcção a um estilo de vida apostólico.

181 Esta etapa é vocacional e, como tal, permanece aberta a diferentes opções. Para um

adulto casado, por exemplo, a questão será se é chamado a viver um estilo de vida CVX na vida de casado. Os jovens perguntar-se-ão a que estilo de vida (laical, religio-

149 Ver NG 41b. 150 Ver NG 39a. 151 Ver EE 189. 152 Ver EE 97.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 39: Carisma CVX 1a. Parte

39

sa ou clerical) são chamados. Um bom número de adultos e jovens sentir-se-ão cha-mados a viver segundo o estilo de vida CVX. Outros descobrirão que a motivação para aderirem era mais de natureza “social” ou afectiva e, reconhecendo que não têm dese-jo de continuar, procurarão outros modos de pertença à Igreja.

182 Para os jovens ou adultos que chegam à conclusão que a comunidade responde aos

seus desejos mais profundos, esta etapa leva-os a um renovado compromisso com o estilo CVX.

183 Assim, o “Compromisso Temporário”, feito na comunidade e aceite por ela, é a expres-

são da determinação do indivíduo procurar a vontade de Deus, servindo-se dos méto-dos inacianos e da oferta pela comunidade do seu próprio processo inaciano de forma-ção.

184 É importante que o compromisso temporário não seja reduzido a um conjunto de obri-

gações, mas deve ser a nossa resposta de amor, dada segundo o espírito do Evange-lho e a lei interior do amor153, a Deus que nos amou primeiro.

185 Os Exercícios Espirituais de S. Inácio têm um papel chave no discernimento da voca-

ção. Nesta etapa de formação, o compromisso temporário fomenta as disposições necessárias para fazer bem os Exercícios Espirituais, tendo presente a sua vocação apostólica.

3. Maneiras de abordar o compromisso temporário 186 É importante que aqueles que fazem o compromisso encontrem uma expressão sacra-

mental (sinal que realiza o que significa) do seu desejo de buscar e encontrar a vonta-de de Deus, pelo uso dos meios inacianos e na companhia da comunidade. Ao mesmo tempo, a comunidade local compromete-se a acompanhá-los e encorajá-los, oferecen-do-lhes os instrumentos inacianos. É também importante fazer uma referência explíci-ta ao seu compromisso com a Comunidade Mundial, um corpo apostólico na Igreja.

187 O compromisso temporário pode ser realizado de várias maneiras. Uma forma é ter

uma reunião anual para todos quantos têm já alguns anos de participação na CVX, na qual seriam convidados a reflectir sobre o significado do compromisso temporário. O discernimento é assim provocado e todos os que desejam fazer o seu compromisso temporário podem pôr-se de acordo sobre o melhor maneira de o expressarem (oca-sião, forma, fórmula). Uma outra maneira pode ser ter cada ano, como uma tradição regional ou nacional, um procedimento, uma fórmula e uma data fixa (por exemplo, o Dia Mundial da CVX, a festa da Imaculada Conceição, o Pentecostes...) em que todos aqueles que o desejarem fazem o seu compromisso temporário.

188 Num processo CVX bem conduzido, este tempo de discernimento dum compromisso

temporário explícito é incontornável. Se não se faz, poderá ser por uma das três seguintes razões:

O processo interrompe-se nalgum ponto e torna-se repetitivo;

entende-se mal o compromisso, tem um significado e conotações erradas;

as formas pelas quais o compromisso se expressa e é celebrado levantam dificul-dades.

153 Ver PG 13.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 40: Carisma CVX 1a. Parte

40

189 O nosso desafio hoje é encontrar sinais eclesiais visíveis para aquilo que estamos a tentar viver e acreditar que expressem um ponto de vista teológico e espiritual con-gruente com a nossa formação.

C. O COMPROMISSO PERMANENTE 190 No processo da vocação do membro da CVX, o compromisso permanente corresponde

à etapa da vida apostólica plena: quando a vocação pessoal é vivida como missão apostólica. Toda a vocação se desenvolve e se expressa na missão. O compromisso permanente é o fim a que chegam os membros que completaram o discernimento da sua vocação e se ofereceram a eles próprios e abraçaram o estilo de vida CVX. Esta etapa está necessariamente associada ao discernimento apostólico, como elemento indispensável ao desenvolvimento da missão.

191 O compromisso temporário na CVX está ligado ao processo de formação e corresponde

ao apelo do Rei eterno e à “eleição”. O compromisso permanente procede da CVX como estilo de vida e está em harmonia com o abandono cheio de confiança da Con-templação para Alcançar Amor. O compromisso é o “Tomai, Senhor, e recebei” como resposta ao compromisso de Deus que 1) me deu tanto; 2) habita em mim, dando-me existência e sentido; 3) trabalha e opera por mim; 4) vendo como todos os bens e todos os dons descem do alto: como o meu limitado poder vem do alto, e, bem assim, a justiça, a bondade, a piedade, a ternura e a misericórdia e a vontade necessária para viver n'Ele o nosso compromisso154.

192 O compromisso permanente é a culminação do nosso discernimento vocacional, no

qual expressamos o nosso desejo de descobrir a vontade de Deus e de realizá-la na nossa vida apostólica, em resposta ao nosso chamamento específico, e a nossa pronti-dão para sermos enviados em missão155.

1. Compromisso permanente 193 Longe de considerar o compromisso permanente como uma decisão arriscada que

compromete a nossa liberdade futura, é importante cair na conta que a liberdade inte-rior constitui o fundamento desta decisão e um dos seus frutos. A verdadeira liberdade existe quando as pessoas são capazes de orientar as suas vidas de acordo com os seus desejos mais profundos. Portanto, são livres na medida em que são capazes de viver de acordo com os desejos profundos que o Espírito do Senhor despertou nos seus corações.

194 Os nossos actos livres não se baseiam só no poder da vontade; são actos de fé e de

esperança. A qualidade radical do nosso compromisso não tem tanto a ver com as nossas capacidades, mas com “a liberdade para a qual Cristo nos libertou e quer que permaneçamos livres”156.

195 Por esta razão, quando os membros CVX chegam à conclusão de que o anúncio de

Cristo e da Sua Boa Nova ao mundo à volta deles é aquilo que “eu quero e desejo e é minha determinação deliberada”157, eles sabem que o Senhor guiou os seus passos num longo caminho. A liberdade de se comprometerem não se limita à possibilidade

154 Ver EE 235-237. 155 Ver PG 8c. 156 Gal 5, 1. 157 EE 98.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II

Page 41: Carisma CVX 1a. Parte

41

de escolher. Significa realmente darem-se a si próprios, entregarem-se a Deus e con-fiarem em Deus totalmente.

196 É neste espírito que Inácio reza: “Tomai, Senhor, e recebei toda a minha liberdade, a

minha memória, o meu entendimento e toda a minha vontade, tudo o que tenho e tudo o que possuo. Vós mo destes, a Vós o restituo. Tudo é Vosso, disponde de tudo, segundo a Vossa vontade. Dai-me o Vosso amor e graça que esta me basta”158. A nos-sa liberdade vem do amor de Deus e é-lhe oferecida a Ele. Deus amou-nos primeiro; Deus comprometeu-se connosco primeiro.

2. Compromisso público 197 Dando testemunho perante a CVX, os que fazem o compromisso pedem ao Senhor a

graça de poderem dar uma resposta generosa à Sua fidelidade. E ao fazê-lo diante da comunidade inteira, estão a pedir a sua ajuda: que a comunidade os possa acompa-nhar no seu caminho. A expressão exterior desta oferenda interior dá-lhe, de alguma maneira, um carácter sacramental.

198 Para o resto da Comunidade, a celebração pública do compromisso tem também uma

certa dimensão sacramental. É um sinal visível do Espírito a actuar em cada membro, para o levar a um maior compromisso com a sua missão. É também um sinal que constrói e consolida a Comunidade no seguimento de Jesus Cristo, enviado pelo Pai. Em espírito de fé, o compromisso público de um membro da comunidade é um convite a "deixar de lado todo o impedimento e perseverar" no serviço àquele que nos chamou à comunidade, "fixos os olhos em Jesus, autor e consumador da fé"159

199 Este é o tempo de confirmação da “eleição”, de assegurar um forte compromisso com

a missão e o serviço160. Os Exercícios Espirituais deveriam ser a chave deste processo de vida em missão, ajudando-nos a seguir mais perfeitamente Cristo pobre e humil-de161.

200 Durante esta etapa, a formação deve ser concebida como “formação permanente” que

nos permite estar sempre “em boa forma apostólica” e, assim, capazes de dar em cada momento a resposta mais adequada à pergunta: "Que devo fazer por Cristo?"

tradução revista por Hermínio Rico sj., Agosto 2005, primordialmente a partir da versão em língua inglesa

158 EE 234. 159 Ver Heb 12, 1-4. 160 Ver PG 11. 161 Ver PG 8d.

OO CC

aa rrii ss

mmaa

CCVV

XX --

II